sábado, 26 de junho de 2010

Capítulo 2 – Vigilância e repressão policial a espíritas no Rio de Janeiro

2.1.   Ofensivas aos espíritas: diferentes sujeitos, lugares e temporalidades
          Comecei a pesquisa sobre o tema acreditando que os adeptos da Doutrina Espírita teriam sofrido dificuldades apenas no período do governo ditatorial de Getúlio Vargas. Pelo menos foi o que me deram a entender as conversas informais com alguns espíritas. O levantamento de material para a pesquisa, contudo, muito cedo me apontou que estava enganado. No trabalho de Sylvia Damazio[1] encontrei a referência ao Código Penal de 1890 que, no seu terceiro capítulo, que trata “Dos crimes contra a saúde pública”, nos artigos 156, 157 e 158 criminalizava o Espiritismo e algumas de suas práticas. Antes de analisar o teor dos artigos, vale mencionar que as autoridades estatais não esperaram o texto formal da lei para reprimir as atividades espíritas. Flamarion Costa[2] aponta que em 28 de Agosto de 1881 alguns periódicos cariocas anunciaram uma ordem policial que proibia o funcionamento da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade e de centros a ela filiados. As restrições ao funcionamento da entidade teriam sido resolvidas através de petições dos espíritas junto ao Ministro da Justiça, além da realização de duas audiências, em 6 e 21 de Setembro de 1881, com o imperador D. Pedro II.
            Segundo Emerson Giumbelli, o então novo Código Penal não trazia grandes inovações, com relação ao Código Criminal do Império. Entretanto, das poucas que apresentou consta a que criminaliza o Espiritismo. Eis os artigos:
                        Art. 156. Exercer a medicina em qualquer de seus ramos, a arte dentária ou a farmácia; praticar a homeopatia, a dosimetria, o hipnotismo ou o magnetismo animal, sem estar habilitado segundo as leis e regulamentos:
                                Penas – de prisão celular por um a seis meses, e multa de 100$000 a 500$000.
                                Parágrafo único. Pelos abusos cometidos no exercício ilegal da medicina em geral, os seus autores sofrerão, além das penas estabelecidas, as que forem impostas aos crimes que derem causa.
                                Art. 157. Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãns e cartomancias, para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credulidade pública:
                                Penas – de prisão celular de um a seis meses, e multa de 100$000 a 500$000.
                                Parágrafo 1° Se, por influência, ou por conseqüência de qualquer destes meios, resultar ao paciente privação ou alteração, temporária ou permanente, das faculdades psíquicas:
                                Penas – de prisão celular por um a seis anos, e multa de 200$000 a 500$000.
                                Parágrafo 2° Em igual pena, e mais na privação de exercício da profissão por tempo igual ao da condenação, incorrerá o médico que diretamente praticar qualquer dos atos acima referidos, ou assumir a responsabilidade deles.
                                Art. 158. Ministrar ou simplesmente prescrever, como meio curativo, para uso interno ou externo, e sob qualquer forma preparada, substância de qualquer dos reinos da natureza, fazendo ou exercendo, assim, o ofício do denominado curandeiro:
                                Penas – de prisão celular por um a seis meses, e multa de 100$000 a 500$000.
                                Parágrafo único. Se do emprego de qualquer substância resultar à pessoa privação ou alteração, temporária ou permanente, de suas faculdades psíquicas ou funções fisiológicas, deformidade, ou inabilitação do exercício de órgão ou aparelho orgânico, ou, em suma, alguma deformidade:
                                Penas – de prisão celular por um a seis anos, e multa de 200$000 a 500$000. Se resultar a morte:
                                Pena de prisão celular por seis a vinte e quatro anos.                [3]

            Os legisladores, possivelmente, pensaram com muito interesse em maneiras de coibir as práticas alternativas de tratamento e curas que fugissem aos rigores e formalidades da medicina oficial e alopática. Os médiuns receitistas foram contemplados de maneira “privilegiada” no Código Penal. Pelo art. 156 poderiam ser acusados de exercício ilegal da medicina com penas de prisão de até seis anos; já o art. 157, mais amplo e, por isso, mais perigoso, enquadrava conjunto mais amplo da população com a proibição textual da prática do Espiritismo. Por fim, no art. 158, ficavam impedidos de prescreverem medicamentos, quaisquer que fossem. A vigência deste Código foi de 50 anos, terminando em 1941 com aprovação de novo código, que valeria a partir de 1942.
            As perseguições não tardaram. Médiuns da FEB, bem como alguns de seus diretores, foram enquadrados e processados algumas vezes, levantando-se como provas acusatórias a apreensão de receitas prescritas em sua sede ou o testemunho de alguém. Pude notar no trabalho de Emerson Giumbelli que a atuação das autoridades estatais, neste momento, era direcionada aos indivíduos. Não percebi, até a década de 1930, nenhuma atuação estatal especificamente direcionada aos núcleos/entidades onde se reunissem os espíritas para suas práticas. No seu trabalho, Giumbelli apresenta um gráfico onde demonstra os resultados de um levantamento que fez de processos crime, onde os acusados foram enquadrados nos três artigos acima, entre os anos de 1891 e 1940. De 1926 ao final do período, o número de processos é bem maior, alcançando 89 contra 38 do período anterior. Não tenho como afirmar se em todos eles tratam-se de pessoas espíritas, uma vez que o autor não mergulha a fundo nesta investigação, descendo às especificidades dos casos apenas em um quadro resumo que contempla o período de 1891 até 1901. Neste, de 19 casos, apenas 2 foram condenados, sendo a maioria absolvida e alguns processos arquivados ou prescritos. Os elementos de identificação dos atores envolvidos são dados pelas autoridades, através do processo instaurado, pelo que percebo de seu resumo. Havia, em alguns casos, a descrição de objetos rituais do Catolicismo (presença de imagens de santos) ou das religiões afro-brasileiras (prescrições de banhos, presença de galinhas mortas no ambiente, búzios, etc.), enquadrados na “amplitude” do mesmo Art. 157. Seriam alguns espíritas, que teriam adotados práticas de outros cultos religiosos? Sim poderiam. Da mesma maneira que um não-espírita poderia assumir algumas das práticas dos espíritas. [4]
            O levantamento de materiais para este trabalho, no entanto, colocou-me uma questão. Pude perceber que, a partir da década de 1930, algumas medidas policiais são tomadas com o objetivo de controlar, vigiar e, eventualmente, reprimir as atividades de instituições espíritas. Como os processos a indivíduos continuaram, fico pensando em que medida objetivavam afetar o funcionamento dos Centros espíritas. Será que aqueles que foram processados possuíam papel importante dentro de seus núcleos? Conforme já assinalamos no capítulo anterior, muitas instituições tiveram sua origem em núcleos familiares. As pessoas se reuniam na casa de alguém que promovia as reuniões, sendo o dono da casa médium ou não e, com o tempo, aquele agrupamento ganha maiores proporções, se consolida e se assume como Centro espírita. A partir de alguns recortes de jornais encontrados nos acervos do Conselho Espírita do Estado do Rio de Janeiro e do Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança, trago para esta análise alguns casos de médiuns processados no Poder Judiciário entre 1937 e 1943.
            Em 30 de Abril de 1937, Inácio Bittencourt, médium receitista, foi preso pela Polícia, sob a acusação de exercício ilegal da medicina, por estar prescrevendo receitas de medicamentos homeopáticos para pessoas que o procuravam. Foi lavrado o auto do flagrante, presidido pelo 1° Delegado Auxiliar, Anésio Frota Aguiar, para a instrução do processo crime. Depois de paga a fiança estipulada, o médium retorna para sua casa. Há 17 anos, já havia sido processado pela mesma razão, sendo o processo anulado. Em uma reportagem, publicada com o título “O médium Inácio Bittencourt autuado em flagrante por exercer a mediunidade”, no jornal Mundo Espírita[5], de 8 de Maio de 1937, consta que os atendimentos eram realizados por ele, em seu gabinete de trabalho, na Rua Voluntários da Pátria n° 20, em Botafogo, onde funcionaria, também, a redação do jornal “Aurora”, de propaganda espírita, dirigido e mantido por ele. Em outro recorte, de um periódico não identificado, pertencente ao mesmo acervo, datado de 1° de Junho de 1937, Leopoldo Machado, também espírita e escrevendo em solidariedade a Inácio, mencionando uma reportagem do Diário de Notícias, de 1° de Maio do mesmo ano, aponta o mesmo endereço citado acima como sendo o da residência do médium. E porque será que o Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança guarda até hoje em seus arquivos tantos recortes de jornais sobre o caso? A Ata n° 1 de sessão ordinária de sua diretoria, traz elementos para responder essa questão:
Aos dezenove dias do mês de Novembro de mil, novecentos e quarenta e dois, reuniu-se na sala de sessões do extinto “Círculo Espírita Cáritas”, à Rua Voluntários da Pátria número vinte, nesta Capital, a Diretoria do recém-fundado Centro Espírita “Amor, Caridade e Esperança” [...] Fazendo uso novamente da palavra o senhor presidente, declarou que o assunto mais importante desta reunião era o que se relacionava com a sede social do Centro [...] Comunicou que tendo se entendido acerca deste assunto com o proprietário do prédio em que estamos funcionando, sobre o aluguel que lhe devemos pagar, disse o referido proprietário, senhor Evangelino Nóbrega, que, a respeito, não nos preocupássemos, visto como, depois da dissolução do Círculo Espírita Cáritas, do qual o aludido Senhor Evangelino Nóbrega era um dos diretores, seríamos nós os futuros inquilinos [...] [6]

            Por meio do cruzamento das informações existentes nos recortes de jornal e a ata acima transcrita se percebe que, Inácio Bittencourt, preso sob acusação de exercício ilegal da medicina, desenvolvia em sua residência as atividades doutrinárias do Círculo Espírita Cáritas, que teria sido fundado e presidido por ele[7], além de manter aí a redação do seu periódico de propaganda doutrinária. Além disso, é possível observar que havia interesse, por parte do “recém-fundado Centro Espírita “Amor, Caridade e Esperança” em alugar o mesmo imóvel no qual funcionava o Centro espírita dirigido pelo acusado, em cujo processo foi, igualmente, absolvido.
                                                             Inácio Bittencourt
            Outra notícia sobre processo foi publicada pelo O Globo,em 12 de Agosto de 1943, sobre a prisão de Izabel Pimentel de Castro, uma costureira de 52 anos de idade, às 15 horas do dia 5 de Julho de 1943, em sua residência, na Rua Albano n° 125, aqui na cidade do Rio de Janeiro. As matérias dos jornais não informam o bairro, mas acredito tratar-se da Praça Seca[8]. Segundo o testemunho do policial que a conduziu, esta senhora tinha diante de si a consulente Dorfíria Porfírio e fazendo gestos, aplicava passes, além de assinalar que ela não receitava medicamentos. A sua folha de antecedentes seria limpa, e no relatório sobre sua vida pregressa menciona-se que ela aprendera o ofício de costureira, empregando-se em diversos estabelecimentos comerciais, a fim de sustentar seus cinco filhos. O promotor Alcides Gentil assim manifesta-se: “Estes autos trazem de novo à minha apreciação um flagrante em que o acusado é uma espírita, presa por investigadores no recesso da sua residência, porque dava “passes” a outra mulher, no momento em que várias pessoas aguardavam sua hora.” [9] Aponta que a médium recebia orientação da Federação Espírita (Brasileira, acredito). Segundo ele, citando os autos, outras pessoas já teriam sido atendidas por ela naquele dia. O promotor requereu o arquivamento do processo, sendo atendido pelo juiz.
            O Diário de Notícias de 4 de Julho de 1943, um dia antes da prisão da médium comentada acima, trouxe uma publicação a pedido intitulada “A mediunidade, o código e a justiça – não é o primeiro flagrante.” O autor não assina a matéria e depois de breves considerações sobre a prisão de um espírita, que ele também não identifica, transcreve os apontamentos do mesmo promotor, Alcides Gentil. Referindo-se aos autos, menciona que “os investigadores que efetuaram a diligência, depõem, um a um, que o fato passou-se na Tenda Espírita São Jerônimo, a Rua Visconde de Itaboraí, n. 8, sobrado” [10], acredito que no Centro da cidade do Rio de Janeiro. Teria o acusado receitado “chá de abacate” para uma doença renal. Igualmente solicitou o arquivamento do processo, sendo o pedido aceito pelo juiz do caso.
            Nestes três casos, uma pessoa apenas, em cada situação, foi enquadrada nos rigores da lei. Quando muito, a polícia ouvia alguns presentes a título de testemunhas. Em duas situações temos o nome da instituição a que pertenciam, local onde foram flagrados em atividade e presos. Acredito, ainda que não tenha sido mencionado nenhum nome de instituição, que a costureira Izabel fosse a responsável pelo funcionamento de um pequeno núcleo de atividades espíritas em sua residência, por conta da referência a pessoas esperando o atendimento. Penso que nesse caso, a procura por atendimento da parte destas pessoas pode nos fazer supor que ela já fosse conhecida por suas atividades ao menos na região. Ouvir a FEB, conforme mencionado, também pode sugerir que se tratava de um centro espírita, ainda que pequeno. Tanto a médium quanto Inácio Bittencourt possuíam papel de importância na dinâmica das atividades desenvolvidas em seus Centros. Com relação à prisão efetuada na Tenda Espírita São Jerônimo, será que havia apenas um médium realizando atividades? Por que só prenderam um e não enquadraram os outros? Qual papel representaria, na instituição, aquele que foi preso?
Assim, arrisco a suposição de que alguns destes processos, se não a maioria, ao atacar a pessoa, visavam atingir o núcleo de reuniões onde esses espíritas atuavam. Atingir e conseguir anular os esforços de algum indivíduo representativo poderia desarticular uma instituição, principalmente se fosse pequena e funcionasse numa residência. Será que a Izabel voltou às suas atividades depois da experiência que teve? Não é possível responder. E isso não apenas nas décadas de 1930 e 1940. Uma análise mais aprofundada dos processos citados por Emerson Giumbelli[11] poderia dar melhor idéia de quem seriam aqueles que foram atingidos pela repressão ao espiritismo e sua eventual importância para as atividades dos Centros espíritas a que estivessem vinculados. Alguns médiuns da FEB, processados nas décadas anteriores, eram conhecidos socialmente pelas atividades que desenvolviam. Até Leopoldo Cirne, que ocupava, então, a sua presidência, e que não era médium, também foi processado, em 1904. [12]
O trabalho de Angélica Almeida permite acompanhar um dos grupos sociais empenhados na repressão ao Espiritismo: alguns médicos que dedicaram uma produção acadêmica sobre aquilo que chamavam de “loucura espírita”. Um deles, Xavier de Oliveira, em livro chamado “Espiritismo e Loucura” afirma, em 1931, que o Espiritismo seria a terceira maior causa de loucura no país, perdendo apenas para o álcool e a sífilis. Eis o que propõe:
O Livro dos Médiuns de Alan Kardec é a cocaína dos debilitados nervosos [...] e com um agravante a mais: é barato, está ao alcance de todos e por isso mesmo leva mais gente, muito mais, aos hospícios, do que a “poeira do diabo”. [...] a sua hygiene e prophylaxia estão, apenas, em se queimarem todos os livros espíritas e se fecharem todos os candomblés, altos, médios e baixos, que, ora, infestam o Rio, o Brazil e todo o mundo occidental.[13]

“Serenamente” o autor invoca a destruição de livros em fogueiras, à “semelhança” de um inquisidor, além do fechamento das instituições que realizavam práticas mediúnicas. E não se preocupa em fazer distinções entre elas, quando muito essa de “altos e baixos”. Segundo a autora havia alguns médicos que sugeriam a educação do povo, como maneira de se evitar a adesão às práticas espíritas. Mas havia, igualmente, aqueles que propunham a repressão policial como solução para impedir crescimento do Espiritismo. Este seria o caso de Leonídio Ribeiro e Murilo Campos na obra “O Espiritismo no Brasil”, de 1931. Objetivavam chamar a atenção de juízes, autoridades sanitárias e policiais para o perigo que representaria o Espiritismo e a necessidade de combatê-lo. Avaliam os autores que
[...] se verifica a urgência de uma campanha repressiva, enérgica e bem orientada, afim de por cobro à situação em que se encontra uma cidade como o Rio de Janeiro, que se diz civilizada e policiada e onde se vê, entretanto, em cada canto um centro espírita, cujo número já vae a mais de uma centena, todos annunciando abertamente nos jornaes a cura de todas as doenças, inclusive da loucura, com os seus consultórios sempre cheios de doentes de todas as classes sociaes. [14]

Como se todos os Centros espíritas tivessem condições de publicar anúncios em jornais e tivessem, também, os mesmos tipos de reuniões. Preocupados em reservar mercado para si mesmos, estes médicos incomodam-se com as práticas de curas, realizadas no interior das instituições espíritas, denominando-as, muitas vezes, como charlatanismo e exercício ilegal da medicina, pedem campanha repressiva, mas “enérgica” e “bem orientada”, para que o golpe fosse eficaz.  
No mês de Julho de 1939, o médico Carlos Fernandes teria elaborado três moções, aprovadas pela Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. A primeira delas, entregue ao Ministro da Educação, solicitando a proibição da propaganda espírita através do programa “A Hora Espírita Radiophonica”, da Rádio Ipanema, transmitido por João Pinto de Souza. Para ele, tratava-se de uma propaganda com segundas intenções, como a de estimular a prática indevida da medicina e atrair assinantes para revistas doutrinárias. As outras duas moções foram encaminhadas para o Presidente da República e para o Ministro da Justiça. Em entrevista ao jornal Diário da Noite, o médico Oscar Pimentel entende que
O Espiritismo está fora da lei e os centros dessa crendice escarnecem abusivamente das nossas autoridades, funccionando em flagrante violação da Lei Penal. Sou de parecer, assim, que a Sociedade de Medicina e Cirurgia, antes de solicitar providências no sentido de impedir a realização da “Hora Espírita Radiophonica”, deveria falar de preferência em nome da Constituição e do Código Penal, pleiteando junto às autoridades superiores o fechamento summario dos Centros Espíritas e a prohibição terminante das práticas ridículas e grotescas, confusas e perniciosas dessa moderna superstição que é o Espiritismo. [15]

Defende ainda que se fosse feito isso, se estaria prestando um serviço à saúde mental dos brasileiros e à moral do Brasil. É bastante contundente nas solicitações de repressão às atividades dos centros espíritas. O programa de rádio, no entanto, não parou de ser transmitido por isso. As críticas dos opositores da Doutrina Espírita situados na medicina assumiam às vezes, segundo Angélica Almeida, caráter teológico. Para eles, o Espiritismo estaria em desacordo com “questões religiosas tradicionalmente aceitas.” [16] Para o médico Oscar Pimentel, o Espiritismo negaria a existência de Deus e, por isso, não poderia ser encarado como uma religião. Dessa maneira, não poderiam os espíritas, invocarem o preceito constitucional da liberdade de culto, de que gozavam as demais religiões.
Setores da Igreja Católica, também contrários aos espíritas, aproveitaram-se de reflexões produzidas no interior da medicina para incorporarem-nas aos seus argumentos. Buscavam legitimar suas idéias sobre o Espiritismo através de pressupostos científicos, a fim de obterem maior crédito para suas investidas. Assim, aquela argumentação de que esta doutrina era causa de loucura, ou de que causaria histeria ou neuroses, às vezes levando ao suicídio, teriam passado a ser comuns em alguns de seus discursos.
Flamarion Costa defende que na década de 1930 houve um acirramento do embate entre católicos e espíritas. Segundo ele, mudanças institucionais geradas pela Constituição de 1934 teriam aproximado a Igreja Católica e o Estado. Cita o padre Julio Maria que, também lançando mão de argumentos da medicina, em 1938, alertava aos seus fiéis:
“Católicos! Fugi da praga espírita! Fugi e nunca permitais que escritos espíritas penetrem em vossos lares. Nunca, por nenhuma razão, assistais a sessões espíritas [...] guerra a esta praga, para preservar a nossa sociedade, como para conservar o equilíbrio mental das pessoas que nos são caras.” [17]

Guerra... Acender os ânimos contra um sistema de idéias, contra pessoas que as adotem e guiem suas práticas orientadas por elas. As guerras destroem, matam... Respiram a violência. E o religioso incitando a violência aberta entre praticantes de fés distintas. Mas ele não foi o primeiro! Alguns invocavam os textos da lei, para intimidar e para cobrar seu cumprimento. O padre Vicente M. Zioni, no trabalho “O problema espírita no Brasil” cita os artigos 282, 283 e 284 do Código Penal, além de remeter à portaria de Abril de 1941. [18]  
Um artigo intitulado “O espiritismo e o Sr. Filinto Müller”, publicado por uma revista católica, elogia a ação do chefe de polícia em sua atuação contra o jogo do bicho, mas com relação à Doutrina Espírita, é um pouco diferente:
Agora é a vez do espiritismo, a maior praga de todas as pragas de minha terra. Começou com os macumbeiros. Prendeu tudo quanto foi de pai de santo dos terreiros cariocas [...] Mandou-os para a ilha. Depois fechou todos os centros, para uma regularização mais rigorosa, e nós sabíamos que poucos se salvavam. Inesperadamente, vem o Sr. chefe de polícia explicar atingirem suas medidas os centros suspeitos e não os dedicados a um culto religioso. Não apoiamos o Sr. chefe de polícia. De qualquer centro, alto ou baixo, saem os desequilibrados para o hospício. [...]
Admite s. excia. o funcionamento de certos centros porque se dedicam a culto religioso. É um remanescente do liberalismo. Em matéria de religião o governo não se intromete. Mas aí é que está o absurdo. Permite a polícia a existência de certos centros por motivos religiosos. Ora, onde devia ela inspirar-se para saber o que é religião? Junto às autoridades eclesiásticas brasileiras, que, mercê de Deus, não desmerecem o conceito universal da Igreja Católica. Então a polícia veria que no espiritismo o que há de religião não é religião, mas uma simples fachada para enganar a ela e outros coitados. [...]
A s. excia., o chefe de polícia do distrito federal apresento um critério acertado, já que ele está por meias medidas: Permitir o funcionamento de tantos centros espíritas quantas vagas disponíveis houver no hospício da Praia Vermelha. [19]

Os católicos organizados em torno desta publicação reconhecem os rigores das medidas adotadas pelas autoridades contra as práticas espíritas. Não admitem, porém, a permissão para o funcionamento de alguns centros, segundo os critérios da Polícia. Preferiam que todos estivessem fechados. Novamente postula-se que o Espiritismo causaria loucura. Incomodou-lhes a justificativa de natureza religiosa, apontada por Filinto Müller. Aqui, colocam-se como as vozes autorizadas para dizerem o que é ou não religião, pois somente às autoridades eclesiásticas, competia essa tarefa, no entendimento deles. Acusam os espíritas de quererem enganar à Polícia e aos freqüentadores de suas instituições, utilizando-as como fachada para “interesses ocultos”. Ironicamente, ainda sugerem uma medida às autoridades. Valer-se do sarcasmo quase sempre é fácil quando se encontra em situação de segurança, conforto e maioria. Essa perseguição comandada pela igreja católica ganharia caráter institucional em 1953 quando a CNBB – Confederação Nacional dos Bispos Brasileiros organiza uma campanha nacional contra o Espiritismo. Dentre as maneiras sugeridas de ação, propunham que deveriam “indicar providências oportunas junto às Autoridades policiais quanto a violações do art. 284 do Código Penal.” [20] O mencionado artigo é o que dispõe sobre o curandeirismo. Mesmo com a superação da ditadura, o desejo de atingir os espíritas em suas práticas não havia se apagado para estes católicos.

2.2    Aparelhando a Polícia para a repressão
Na década de 1930 o desejo de vigilância e controle sobre as atividades dos espíritas, bem como daqueles dedicados aos cultos afro-brasileiros manifesta-se em algumas medidas. Segundo Lísias Negrão, em 1931 uma reforma na Polícia do Distrito Federal criara a Inspetoria de Entorpecentes e Mistificações, dedicada ao combate do uso de tóxicos e da prática de magias e sortilégios. Foram proibidas as práticas de “macumbas, candomblés, feitiçarias, cartomancia, necromancia, quiromancia e congêneres, excetuando-se as experiências de telepatia, sugestão, ilusionismo e equivalentes, realizados em espetáculos públicos fiscalizados pela polícia.” [21] Ainda que o autor considere que o Espiritismo, por não ter sido citado nominalmente, tenha escapado dos rigores da medida, penso que a polícia conseguiu efetivamente exercer a intimidação sobre alguns de seus adeptos, por meio de processos e prisões, pois nem todos sentem tranqüilidade ou coragem para realizar algo que seja proibido pelas autoridades estatais. Chamo a atenção para a expressão “necromancia”, que não é outra coisa senão a capacidade de comunicação com os mortos, elemento presente em muitas práticas espíritas.
            O Decreto nº 24.531, de 2 de Julho de 1934, que criou um novo Regulamento para os serviços da Polícia Civil do Distrito Federal trazia, no seu art. 33, primeiro parágrafo, que à 1ª Delegacia Auxiliar competia “processar a cartomancia, mistificações, magias, exercício ilegal da medicina e todos os crimes contra a Saúde Pública”, [22] além de reprimir a prostituição. Andréa Nascimento, afirma que neste mesmo ano foi criada uma lei que “enquadrava as religiões afro-brasileiras, a maçonaria, a umbanda e o kardecismo entre outras na Seção Especial de Costumes e Diversões do Departamento de Tóxicos e Mistificações do Rio de Janeiro.”  [23] Mais adiante, de acordo com uma citação que faz de Diana Brown[24], ela informa que estes núcleos religiosos (não estou considerando a maçonaria) seriam obrigados a solicitar um registro especial aos departamentos de Polícia locais, com a polícia fixando as taxas para tanto. A referência ao “registro especial” me faz supor que este fosse um registro a mais na polícia, uma vez que de longa data as sociedades civis, para funcionarem, já estavam obrigadas ao cumprimento dessa exigência legal. A imposição policial de realizarem mais de um registro, com os conseqüentes (ou eventuais) pagamentos de taxas me fazem pensar que devem ter existido Centros espíritas pequenos, aqueles cuja formação se dava em núcleos familiares, que devem ter tido dificuldades financeiras para atenderem a exigências desta natureza. Além disso, deve ter havido algum constrangimento com o fato de terem de lidar com a polícia para exercerem seu direito à liberdade de crença. Afinal, a Constituição de 16 de Julho de 1934, ao menos no papel, assegurava-lhes isso no seu Art. 113, além da liberdade de associação. [25]
            Segundo Lísias Negrão, em 1936 noticiava-se, nos jornais, uma “Campanha Policial contra o Baixo Espiritismo”, e que a Delegacia de Costumes dera uma ordem “para que diretores de centros espíritas regularizassem seus alvarás.” [26] Para ele, as instituições do “alto” (Espiritismo) estariam isentas de semelhante obrigação, uma vez que tinham direito a alvará de funcionamento. A medida contemplaria, no seu entendimento, apenas os cultos afro-brasileiros. “O Espiritismo kardecista, branco, cristão e cultivado por pessoas de classe média e superiores, já tinha suficiente reconhecimento oficial. Não mais criminalizado, chegava a publicar anúncios classificados [...]” [27]. Penso que o autor generalizou um pouco o seu “perfil” das entidades espíritas. Aliás, traçar perfis é bem complicado, porque a uniformidade é rara, para o desconforto de alguns autores. Os registros de pessoas vinculadas a Centros espíritas aos quais tive acesso, conforme exposto no primeiro capítulo eram, em sua maioria, das classes menos abastardas. Anunciar em jornais não é um argumento que me satisfaça. Será que era barato? Não se tem elementos suficientes para afirmar-se que todos os espíritas faziam isso. Ele menciona a “Synagoga Espírita Nova Jerusalém”, a “Academia Espírita”, que disporia de professores e doutores para o ensino sobre os fenômenos psíquicos, a “Federação Espírita Paulista” e uma “Concentração de Jornalistas e Intelectuais Espíritas”, realizada em São Paulo. Dessa “academia”, não localizei informações. As outras duas eram entidades de natureza federativa, como mencionei no primeiro capítulo. E a “Concentração” seria um evento específico. Pelo que noto, possuíam alguma inserção social. Onde estariam os anúncios publicados por centros espíritas menores?
A informação que encontramos num livro de ata de assembléias gerais e reuniões de diretoria do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor contraria o que o autor defende. Em 17 de Setembro de 1936, “foi approvada por unanimidade a lembrança do 1° Bibliothecário, para ser registrado o Grupo na Polícia, para assegurando seu funcionamento, haver a necessária tranqüilidade quando se realizam as sessões do Grupo.” [28] Lísias Negrão menciona que algumas instituições umbandistas travestiam-se de centros espíritas para escaparem à exigência de registro na polícia. Ele poderia colocar sob suspeita a condição de espírita desta instituição que mencionei. Entretanto, em 19 de Agosto de 1937, numa assembléia geral extraordinária aprovou-se a filiação do centro à Liga Espírita do Brasil. Posteriormente, verifica-se uma relação de proximidade entre ambas, na presença de integrantes da Liga em algumas festividades, além de convites destes a participação em eventos promovidos por ela. Conforme o exposto no primeiro capítulo, a Liga Espírita do Brasil buscava orientar os centros espíritas com relação às suas práticas doutrinárias, muitas vezes condicionando o deferimento da filiação a mudanças nas práticas, caso não se enquadrassem naquilo que tomavam por ideal. Além disso, na introdução escrita por Lippmann Oliver a um livro de Deolindo Amorim, o autor reforça o argumento: 
Por isso mesmo os centros desceram tão baixo no conceito das autoridades da capital [...] que até o seu registro se processava na Seção de Tóxicos e Mistificações da Polícia Central. Espiritistas de “valor” e os “macumbeiros” eram, destarte, fichados em promiscuidade e nivelador, por igual, na ignomínia e no menosprezo. [29]

Entendo, assim, o Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor como uma instituição espírita e, por isso, contemplada pela exigência apontada pelas autoridades policiais quanto à obrigatoriedade do registro seu registro para funcionamento.
Em 30 de Outubro de 1937 o Jornal do Brasil, num espaço dedicado de maneira exclusiva à “execução do Estado de Guerra”, noticiava que “com exceção da Federação Espírita Brasileira e de mais quatro sociedades”, iriam ser fechados todos os “núcleos da Doutrina de Kardec.” De acordo com o jornal,
            Tendo em vista as informações prestadas pela Chefia de Polícia de que núcleos de Sociedades espíritas e outras não secretas são utilizadas por elementos comunistas para suas reuniões, resolveu a Comissão de execução do estado de guerra aprovar o fechamento também dessas sociedades. Considerando, entretanto as informações prestadas pela Chefia de Polícia sobre a Federação Espírita Brasileira, cujas sessões são públicas, resolveu a Comissão autorizar o funcionamento de quatro sociedades do Rio de Janeiro, ligadas à Federação, as quais serão indicadas e fiscalizadas pela Polícia. [30]

            Parece-me que em momentos de fragilidade das instituições estatais, quando utilizadas para o atendimento de interesses particularistas de grupos em detrimento de suas originais funções de natureza social, estes grupos se aproveitam de situações (ou as criam) a fim de atenderem a seus objetivos. A partir de informações da Chefia de Polícia, que de algum tempo vinha desejando exercer algum tipo de controle e fiscalização sobre os centros espíritas, a comissão do estado de guerra decide pelo fechamento destes.
O relatório “As forças religiosas no Brasil, do ponto de vista de suas influências políticas e econômicas” [31], produzido pelo Serviço de Inquéritos Políticos e Sociais em 1938, e encontrado no acervo pessoal de Filinto Müller, oferece indicações importantes com relação ao controle que se pretendia ter sobre as religiões e, particularmente no caso que estudamos, sobre os núcleos espíritas. Ao tratar do Espiritismo, usa de palavras elogiosas sobre as atividades desenvolvidas pelos seus adeptos, como foi comentado no primeiro capítulo. Dividido em seis itens, procura descrever a maneira como suas instituições se mantêm, como se organizam a dinâmica de suas reuniões e aspectos de suas crenças. Para elaborar o trabalho, a Polícia política ouviu aquele que considera o “decano do Espiritismo” naquele momento, nada mais, nada menos do que Inácio Bittencourt, o mesmo que um ano antes fora preso pela segunda vez pelo mesmo motivo e processado. Quase descartei a utilização deste relatório para este trabalho. Inicialmente julguei que poderia encontrar aí elementos que descrevessem com mais riqueza de detalhes as eventuais investidas dos aparatos estatais contra os espíritas. Não encontrei, na primeira leitura, o que desejava. Revisitando o texto, deparei-me com algumas sutilezas que podem servir de indícios demonstrativos das intenções daqueles interessados nas capacidades das forças religiosas naquele momento.
Quando o relatório comenta a respeito da relação dos Centros espíritas filiados à FEB, entende a “relativa importância de uma relação completa de tôdos os centros espíritas, e o que só poderia ser obtido em inquérito direto e demorado [...]”.[32] Por que seria necessária uma lista completa de todos os Centros espíritas? Para quê a Polícia política precisava dispor de semelhante listagem? Como foi apresentado no primeiro capítulo, a maioria das instituições não estava vinculada nem à FEB, nem à Liga Espírita do Brasil, entidades de caráter federativo. Como localizar essas instituições pulverizadas pelos diferentes pontos da cidade? A listagem de instituições, fornecida pela FEB ao Serviço de Inquéritos Políticos e Sociais, possuía os seus endereços. Teria sido em atendimento a uma solicitação das autoridades, ou fornecido de maneira espontânea pela entidade federativa? Acredito na primeira possibilidade. Intriga um pouco, também, a ausência de referência à Liga Espírita do Brasil na elaboração deste relatório, uma vez que, no momento, era a que reunia maior quantidade de Centros espíritas agregados. Não foram procurados ou recusaram-se a colaborar?
Parece-me que este vazio de referências, com relação às demais instituições, incomoda as autoridades. Ao tratarem, no relatório, daquilo que chamam por “medicina espírita”, até reconhecendo-lhe alguns méritos e não se posicionando contra nas disputas promovidas pela “medicina oficial”, abre-se um subtítulo chamado “Exploradores”. Assim se expressa o relator:
Apesar de ser uma doutrina que se baseia, sobretudo, na prática do bem e na solidariedade humana, sob o rótulo de Espiritismo se faz exploração e baixo charlatanismo. Há farmácias e laboratórios homeopáticos que, com fins puramente mercantes, anunciam pela imprensa a remessa grátis de diagnósticos e medicações terapêuticas desde que o enfêrmo, ou alguém por ele, escreva para determinada caixa postal, dando nome, idade, o sexo, a profissão e a residência. De fato eles cumprem o que prometem. Ninguém, no entanto, será capaz de decifrar o diagnóstico. É sempre um nome difícil, cabalístico e que, por isso mêsmo, convence o doente, na maioria dos casos. Acompanham o diagnóstico indicações sobre a dieta a seguir, com esta, os nomes de alguns remédios, que está a “caridade” desses chamados “médiuns invisíveis”, que exploram tanto o público. [33]

         E para “comprovação”, transcrevem dois anúncios, que figurariam como exemplos da “condenável” prática, sem mencionarem o nome do jornal onde foi publicado. Reproduzo um deles:
Qualquer pessoa que, depois de muitos cuidados com a sua saúde, não tenha conseguido melhoras satisfatórias, deve pedir, gratuitamente, um diagnóstico, a fim de ter assistência espiritual e ser doutrinada, obtendo, assim, o benefício desejado. É preciso mandar o nome, idade, profissão, residência e um envelope subscrito e selado, para a resposta. Cartas para a Caixa postal n° 1916 – Rio de Janeiro. [34]          

            O outro anúncio não pede a profissão. Como poderia o autor do relatório afirmar que essa prática era desenvolvida por farmácias? Fico pensando que se fossem farmácias, certamente não deixariam de indicar seu endereço, para que as pessoas aí comprassem seus medicamentos, ainda que na correspondência de resposta escrevessem como se fora algum médium a indicar, “gentilmente”, onde providenciar o medicamento prescrito. E porque indicações de dietas? Recursos para impressionar o incauto ou indicações sinceras? Podem ser as duas opções, bem sei. O anonimato poderia ser em função da vontade de não tornar público o bem que se fazia, conforme proposto por de Allan Kardec em O Evangelho Segundo o Espiritismo, onde, no capítulo XIII propõe que se faça o bem sem ostentação.[35] Se não há qualquer indicação, nos anúncios, daqueles que se beneficiariam com a prática, acredito que o desconforto do relator com isso seja outro, o que chama de “médium invisível”, que não se consegue localizar e coibir.
A preocupação com as capacidades políticas e econômicas das religiões é ressaltada na introdução do relatório:
Presentemente, si bem que sob aspécto divérso, voltam as fôrças religiósas a preocupar a atenção dos homens públicos, ante a necessidade de controlar ou intervir na organização das mêsmas, no que respêita à sua parte material. [...]
Em todos os países, todavía, medidas acauteladoras estão sendo tomadas afim de, por um ládo, evitar que a religião se torne uma fonte de exploração da credulidade popular, e por outro, impedir que representantes dêste ou daquêle crédo, eventualmente atingidos pelas diretivas do moderno dirêito público, ármem o braço de fanáticos contra a segurança interna do Estado. [36]

            Os homens públicos preocupados com o controle e a intervenção nas atividades religiosas são eles mesmos. Generalizam o receio tentando legitimá-lo, como se fosse de âmbito geral só porque supostamente existiria no exterior. Defendem, nesta introdução, que o país era um dos poucos que não possuía regulamentação quanto às atividades dos credos religiosos, como se fosse uma medida necessária que estivesse com a implementação atrasada aqui no Brasil. Mas necessária para quem? Podia ser para alguns brasileiros que viviam a experiência de participarem diretamente de um regime político de exceção, que buscavam, de todas as formas, manterem-se a salvo nos postos de poder que tomaram. No relatório, pretendia-se relatar fatos de “atuação política contrária aos superiorês interêsses nacionais” [37] como se os seus interesses representassem, realmente, os de toda coletividade brasileira! No caso dos espíritas, o que lhes mereceu consideração negativa fora a falta de localização precisa naqueles anúncios de jornais, publicados pelos “médiuns invisíveis”. O anonimato adotado por aqueles rotulados como exploradores lhes parecia perigoso, constituindo-se como um exemplo de “atuação política contrária” aos interesses das forças estatais. Por isso, o interesse demonstrado nas listas de instituições espíritas, uma vez que da maioria não se tinham maiores informações.
Alguém poderia mencionar que a vontade de controlar e fiscalizar estas instituições se torna manifesta apenas em 1938, do ano seguinte, como atestaria o relatório apresentado. Não acredito, porém, que estas idéias tenham surgido num simples despertar de alguém, numa manhã nublada. As idéias estavam “no ar”, sendo discutidas e seus resultados sendo medidos pelas aplicações que se fazem delas. Elas não despontam em 1938, estavam sendo experienciadas antes disso, através do desejo de colocar estas instituições espíritas sob suas vistas, como fizeram nos anos anteriores. É bem frágil, em termos de argumentação, sustentarem que a FEB iria manter-se aberta pelo fato de suas reuniões serem públicas. A maioria dos centros espíritas cariocas tinha reuniões públicas![38]
Ao tratar do resumo das atividades da FEB no ano de 1937, Emerson Giumbelli menciona que esta ficara fechada por três dias, em função das suspeitas de envolvimento com atividades políticas, além de outros centros, que também foram atingidos por essa medida. Não menciona quando teria se dado o fechamento. O que teria mudado se, a princípio, ela ficaria aberta, no momento em que outras seriam fechadas? Em regimes políticos de exceção, onde há carência de legitimidade no poder e, por isso, o ambiente de desconfiança é grande e a vontade de fiscalizar, controlar e reprimir é maior ainda, não surpreende uma mudança de diretiva. É sempre em benefício dos “superiores interesses da nação”, ótima expressão para traduzirem suas vontades pessoais e de grupo. Outra leitura possível é se pensar na primeira informação como uma tentativa, dos aparatos estatais, de “distraírem” a atenção destes espíritas, deixando-os mais tranqüilo, não mobilizados para eventualmente protestarem ou procurarem seus direitos.
Flamarion Costa refere-se a espíritas que acreditavam na possibilidade de infiltração de elementos, “com intenções outras que não a de aprender as lições do Cristo à luz da 3ª Revelação, causando assim, com esse reprovável procedimento, a manifestação enérgica da ilustre Comissão Executora do Estado de Guerra com o fechamento imediato de todos os centros como meio de combater a esses perniciosos elementos.” [39] Em Dezembro daquele ano, um articulista, não citado por ele, diz ter apurado o principal motivo de fechamento dos Centros: “foi a infiltração de elementos comunistas em nossos centros, já como assistentes das sessões públicas, já como falsos médiuns que através de mensagens propagavam a doutrina materialista de Lenine, Marx e Trotsky.” [40] Entendo que havia espíritas que optassem, politicamente, pelo comunismo, como aqueles que faziam opções à direita do espectro político. Na correlação de forças entre os projetos políticos existentes naquele momento, as forças das direitas levaram a melhor. Penso que o escrito deste último articulista, cujo nome não foi mencionado, reflita muito de suas posições políticas contrárias a esses elementos de esquerda. Como assistentes ou médiuns, qual o problema de os simpatizantes das esquerdas participarem das reuniões espíritas? O autor taxa de falsos os médiuns que recebiam mensagem de espíritos que fossem favoráveis às doutrinas daqueles autores. Mas seriam médiuns autênticos, no seu entendimento, os que recebessem mensagens que expressassem um posicionamento político mais à direita, conservador? Por que alguns espíritos não poderiam ser simpáticos às causas de esquerda?

2.3    Efeitos cotidianos da repressão entre os centros espíritas
Dos materiais do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor e da Liga Espírita do Brasil[41] que pude verificar, não localizei qualquer referência sobre a experiência do fechamento delas no final do ano de 1937. Os livros de atas de reuniões de diretoria e de assembléias gerais do Grupo de Caridade nem mencionam reuniões de Setembro a Dezembro deste ano. Na Liga, não encontrei estes livros. Teriam todos sido fechados, ou algum funcionara na clandestinidade? É possível era, mas não tenho elementos para responder.
            Através da leitura dos livros de atas de assembléias gerais do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor, pude perceber que havia sido imposta, por parte das autoridades estatais, a exigência de solicitação de licença para reuniões deste tipo. Não consegui apurar quando essa obrigatoriedade foi imposta, mas a primeira referência que encontrei foi na assembléia de 1° de Agosto de 1939. Além disso, passa a figurar nestes registros a presença de “um representante da Delegacia Especial de Ordem Política e Social” [42] nos encontros de associados da instituição. Isto se daria, segundo consta na mesma ata, em função do que determinaria a Lei de Segurança Nacional, então em vigor. No texto da Lei nº 38, de 4 de abril de 1935, que definia crimes contra a ordem política e social, não encontrei qualquer referência ao assunto. Na Lei nº 136, de 14 de Dezembro de 1935, que modifica a anterior e define novos crimes contra a ordem político social também não há qualquer informação a respeito.
Torna-se comum, nas assembléias gerais, a leitura da licença expedida, bem como o cuidado de registrar seu número para os presentes. Às vezes sofriam embaraços, criados pelas autoridades, para conseguirem a licença para seus encontros. Em 1° de Agosto de 1939, “[...] fazendo uso da palavra o Sr. Carlos Manoel da Silva, declarou que ao solicitar a licença à Polícia, como determinam as leis atualmente em vigor, para a assembléia de hoje, viu com surpresa a mesma ser recusada pelas autoridades, porquanto esta data era suspeita perante elas [...]” [43]. Em função do ocorrido, numa assembléia geral extraordinária, realizada em 26 de Julho de 1940[44], decide-se pela troca do dia de realização de assembléias gerais, uma vez que tinham a data 1° de Agosto de todos os anos como oficial para essas reuniões. Ao que me parece, em algumas ocasiões a liberação da licença para assembléias dependia dos humores daqueles que eram responsáveis para tanto. Alegar a impossibilidade porque uma data era suspeita perante as autoridades parece-me daqueles argumentos usados para afligir ou tirar a paciência do solicitante. Será que nas regras para a expedição da licença estava prevista essa possibilidade? Parece que não, pelo espanto demonstrado na assembléia e registrado na ata.
            Pesquisando no APERJ, no Fundo da Delegacia Especial de Segurança Política e Social num relatório da Seção de Segurança Social, elaborado pelo seu chefe, Seraphim Braga, enviado ao Sr. Major Delegado Especial, encontrei algumas informações que ajudam no entendimento daquilo que apresento. Busquei esse relatório sem qualquer referência prévia, não tinha noção que serviria para o presente trabalho. Como se tratava de um relatório de atividades, arrisquei a verificação, a fim de encontrar alguma informação sobre o tema. Deu certo. Assim, na parte que o relator apresenta como “Sociedades de Natureza Diversas”, é dito que:
Além das entidades de classe e das estrangeiras, outras existem, de diversas finalidades, também aqui registradas e subordinadas ao mesmo regime de fiscalização e licença prévia para realização de suas reuniões.
Essas sociedades, pelas suas atividades sociais, se subdividem em espiritualistas, culturais, filosóficas, beneficentes, esportivas e recreativas.[45]

            A licença para a realização da assembléia geral do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor, em 2 de Agosto de 1943 foi assinada pelo então Chefe de Seção responsável pela elaboração do relatório citado. Quem ocupava este posto, pelo que se pode ver, dava a assinatura definitiva para autorizar a realização do encontro.
            Ainda no relatório, na sua parte final, afirma que “nos sindicatos e demais entidades, obedecendo-se o preceito constitucional que autoriza a fiscalização de reuniões, a vigilância é exercida pelo Serviço de Reportagem, de indiscutível valor como elemento informativo e eficiente colaborador.” [46] A referência ao preceito constitucional que autorizaria a fiscalização de reuniões levou-me a pesquisar a Constituição de 1937. Não encontrei nada que autorizasse semelhante medida. Pelas leituras das atas, encontra-se com freqüência a referência à presença de indivíduos exercendo fiscalização nas reuniões, bem como a expedição de licenças, até o ano de 1945. Em apenas uma ocasião a menção nas atas do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor não foi ao representante da Delegacia de Segurança Política e Social e sim ao da Delegacia de Costumes, Entorpecentes e Mistificações, que chegou a assiná-la.[47] No Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança isso não ocorreu.
            Pelo que constatei, os anos de 1941 a 1943 foram bem difíceis para os centros espíritas no Rio de Janeiro, em função de Portarias expedidas pela Chefatura de Polícia, com diversas exigências que não eram fáceis de serem cumpridas por todos. Em 10 de Abril de 1941, numa “quinta-feira Santa”, o Jornal do Brasil publicou a primeira Portaria, que suspendia o funcionamento de todos os núcleos espíritas da capital. Eis o texto:
Suspenso o funcionamento de todos os Centros espíritas
O major Filinto Muller, Chefe de Polícia, assinou a seguinte portaria:
Fica suspenso o funcionamento de todos os centros espíritas desta capital, que só poderão recomeçar suas atividades mediante novo exame das suas finalidades, para o que deverão os interessados se submeter a novo processo de registro. Este deverá ser informado pela Delegacia Distrital respectiva sobre a localização do centro; pela Delegacia Especial de Segurança Política e Social sobre os antecedentes político-sociais dos seus componentes; pela Diretoria Geral de Investigações a respeito dos antecedentes criminais dos mesmos e pela 1ª Delegacia Auxiliar na parte especializada, subindo, então, a despacho final desta chefia. [48]

Depois de quase quatro anos, novamente eram suspensas as atividades dos Centros espíritas que se vêem na obrigação de providenciar o processo de legalização de novo. O exame das finalidades das instituições, acredito, seria feito mediante a análise de seus estatutos sociais, o que implica, muitas vezes, na necessidade de elaboração e no registro destes em cartório, com a conseqüente formalização da existência da instituição. As sociedades espíritas deveriam esperar quanto tempo para esse exame de finalidades? Funcionariam nesse intervalo? Na portaria, não há nenhuma informação a respeito. Um novo processo de registro na Polícia implicaria custos? Acredito que sim, da mesma maneira que a elaboração dos estatutos. O andamento do novo registro dos centros junto às autoridades policiais se dava em diferentes níveis e especialização das funções policiais. Os aspectos fiscalizados eram a localização do centro espírita, a sondagem dos antecedentes políticos de seus participantes, além de seus antecedentes criminais. O texto não informa se eram apenas dos diretores ou de todos os associados da instituição e também não fica explicitado a maneira como a 1ª Delegacia Auxiliar atuaria na questão. Depois de percorrido este trajeto, obtinha-se ou não o despacho final da Chefia de Polícia, sem critérios claramente definidos. Não há, por fim, referência ao número da portaria expedida.
Uma semana depois, no dia 17 de Abril de 1941, novamente pelo Jornal do Brasil encontramos algumas informações a respeito. Publicam um “radiograma” do Chefe de Polícia onde ele responde a uma pergunta sobre o funcionamento dos centros espíritas. Assim se pronuncia:
            Objetivo portaria centros espíritas visa assegurar funcionamento normal aqueles centros verdadeiramente dedicados culto e não proíbe nem temporária nem definitivamente que qualquer cidadão tenha sua crença. Pensar o contrário seria absurdo. Já dei instruções meu substituto eventual Cap. Batista sentido permissão funcionamento provisório centros sobre quais não pairem dúvidas. Cordiais saudações (a.) – F. Muller.[49]

Qual seria o critério definidor do que ele chama de “centros verdadeiramente dedicados ao culto” e “sobre os quais não pairem dúvidas”? Segundo Emerson Giumbelli, a FEB[50] foi colocada entre estas e teria ficado fechada uma semana, período em que providenciara a documentação exigida para a regularização. A autorização definitiva para o funcionamento só veio em Julho, três meses depois. Então, ao que me parece, as instituições não enquadradas nesta categoria pelas autoridades policiais tiveram que esperar alguns meses para retomarem suas atividades.
O Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor, pelo que notei, também conseguiu permanecer funcionando enquanto esperava sua regularização. Foi possível apurar isso pela periodicidade das reuniões de diretoria da instituição, realizadas mensalmente no salão de sessões, apenas interrompida nos meses de Abril, o da portaria e em Setembro, quando passaram por uma experiência difícil:
O senhor presidente, fazendo uso da palavra, referiu-se ao fato – aliás, já do conhecimento de todos os associados – do fechamento da nossa sede social pelas autoridades policiais que controlam o funcionamento dos centros espíritas desta Capital, fechamento êsse que ocasionou a transferência, mais uma vez, da nossa séde para outro local. Historiou sumariamente tudo quanto precedeu a essa mudança de lugar para o que atualmente é ocupado, à Travessa do Comércio número onze, primeiro andar, desde a ocasião em que foram interrompidos os nossos trabalhos no local antigo, até as démarches, iniciais e finais, para a instalação do moderno.[51]

            O fechamento da sede e sua transferência, que na ocasião funcionava à Rua da Constituição n° 28, no Centro, acarretaram transtornos para estes espíritas. Ainda segundo a ata, o proprietário do novo imóvel não aceitava alugar para “sociedades” e sim para pessoas físicas. O vice-presidente, então, teria feito um contrato de dois anos em seu nome, ficando o presidente da instituição como seu fiador. O proprietário do prédio da sede antiga teria feito exigências de reparos no imóvel, antes de sua devolução por parte do centro, o que somado às despesas com a mudança atingiu o valor de três contos de réis. As atividades foram retomadas no mês de Outubro. Nas atas, não mencionam quais teriam sido os motivos das autoridades policiais para fecharem o centro. Estes registros são bem “econômicos” em informações. O presidente, na reunião em que faz referência ao ocorrido, fizera o histórico do que precedera a mudança, mas o redator da ata, talvez porque conhecesse o assunto, talvez porque não considerasse necessário, ou até porque guardasse algum receito de emitir opiniões que pudessem ser mal interpretadas posteriormente por alguma autoridade, não entrou em detalhes. Na reunião de diretoria realizada em 13 de Novembro de 1941, o presidente do centro, acompanhado pelo 1° e 2° secretários entregam seus cargos, alegando razões particulares, que podem muito bem ser a vontade de não se exporem a situações difíceis, em função dos eventuais contatos com a Polícia, o que é naturalmente compreensível. Não encontrei referências sobre o fechamento de outra instituição de maneira semelhante a esta, mas, evidentemente, não descarto a possibilidade disso ter acontecido.
Ainda nesta reunião, o presidente do centro informou que, “com relação ao registro definitivo do Grupo na Polícia, o processo está seguindo seu curso normal, esperando que, dentro de poucos dias, esteja tudo concluído.” [52] Penso que se trata do cumprimento daquelas exigências formuladas pela portaria de Abril, mas seis meses depois, ainda estavam às voltas com isso. Posteriormente, não há mais referências nas atas, o que faz supor que tenha sido concluído realmente pouco depois.
Através dos materiais do APERJ pude verificar como os antecedentes político-sociais de alguns espíritas interessaram à Delegacia Especial de Segurança Política e Social e de que maneira se deu a atuação desta. No dossiê sobre a “União Discípulos de Jesus” consta um ofício, dirigido à diretoria desta instituição pelo então Chefe de Seção de Segurança Social, Seraphim Braga, em 31 de Maio de 1943:
De ordem do Exmo. Sr. Tte. Coronel Delegado Especial, levo ao conhecimento de VV.SS. que devem ser substituídos os Srs. Nelson Baptista de Azevedo e Waldemar Pereira Cotta, dos cargos para os quais foram eleitos na Diretoria da “União Discípulos de Jesus” (Pró Hospital Allan Kardec), afim de que possa ser dado o indispensável andamento da licença.[53]

                As razões que levaram à exigência não são apontadas no ofício. Entretanto, a leitura deste e de outros dossiês apresentam os esforços destas autoridades no sentido de vigiarem as palavras e atitudes de um destes dois personagens. No dossiê sobre a “Associação Espírita Francisco de Paula” encontram-se informações sobre uma reunião, “de caráter tipicamente espírita”, segundo o relator, e que “contou com a colaboração do Tte. Cel. Waldemar Pereira Cota, ex-Presidente da ‘Cruzada Juvenil da Bôa Imprensa’. Entre a regular assistência, notavam-se alguns componentes da extinta instituição integralista.” [54] A referência ao integralismo, bem como às opções políticas de direita ou esquerda são inevitáveis, porque os espíritas analisados declararam-se como tais, ou foram assim classificados. Ao usar materiais produzidos pela Polícia política, prefiro entender a caracterização dos indivíduos citados como rotulados por ela, mas não me interessa mergulhar em suas biografias para saber se foram ou não o que dizem sobre eles. Como já foi dito, os espíritas podiam se posicionar em todo o espectro político.
            O relator procura observar o andamento da reunião, buscando ressaltar em seus escritos os elementos que identificariam e reforçariam o juízo que faz do indivíduo que está acompanhando de maneira principal. Procura assinalar, igualmente, a presença de pessoas que seriam adeptas ou simpatizantes daquela opção política. Segundo ele
os últimos remanescentes do integralismo e da “cruzada”, tendo à frente o Tte. Cel. Cota, pretendem, valendo-se dos adeptos que têm nos meios espíritas, estabelecer, nos diversos centros desta Capital que cultivam essa doutrina, os seus pontos de reunião. Entretanto, apezar disso, não se pode afirmar que o Espiritismo e o Integralismo estejam ligados. A “manobra” acima referida alienará muitos integralistas de destaque, que, como praticantes da religião católica, não concordarão com tal aliança.[55]

            Novamente a insistência na possibilidade de infiltração de elementos com intenções ocultas nos Centros espíritas, o que serve sempre como boa justificativa para os aparatos policiais realizarem intervenções nestes espaços. O relator, ao que parece, “respira” a investigação, uma vez que ainda procura fazer diagnóstico dos efeitos que a estratégia “adversária” poderia vir a ter.
            O dossiê com mais informações é o elaborado sobre a “Federação Espírita Brasileira”. Sob o título “Reunião para controlar”, um ofício de 30 de Setembro de 1943 avisa de um evento que se realizaria na Escola Nacional de Música no dia 2 de Outubro daquele ano. Tratar-se-ia de um festival, “promovido pelo Centro Espírita Discípulos de Jesus do qual é presidente o integralista Tte. Cel. Waldemar Pereira Cota.” [56] Menciona-se que participariam outros “verdes”, a fim de congregarem-se. Causou-me estranhamento a informação de que Waldemar Cota fosse presidente da instituição, pois em Maio daquele ano, como apresentei acima, consta um ofício encaminhado pela Seção de Segurança Social a esta instituição espírita, dizendo que deveriam substituí-lo do cargo para o qual fora eleito, a fim de que a licença de funcionamento do centro tivesse andamento. Teria sido um lapso do relator ou este espírita conseguira ocupar o cargo que desejava naquela eleição?
            A reunião mereceu um relatório minucioso, tendo anexado o folheto de sua propaganda e duas fotos do evento. O investigador ficou atento ao que disseram os oradores, se mencionavam algo relacionado à política. Foi mais detalhado quando se referiu a Waldemar Cota, de quem fez um resumo de sua apresentação. Chamou-lhe a atenção, o que fez questão de relatar, que
antes de serem iniciados os trabalhos, um relator da “Vanguarda”, o qual não nos foi possível identificar, devido ao princípio de confusão estabelecida, por lhe ter sido vedada a entrada na parte reservada aos convidados especiais, em altas vozes, taxou os membros da Comissão de integralistas muito conhecidos que, sob a bandeira do espiritismo, tinham o desígnio firme de propalar suas idéias, visto já haverem infiltrado nas organizações desta filosofia. [57]

            Sendo ou não integralistas os indivíduos apontados, o relator preocupava-se em buscar elementos que lhe confirmassem as expectativas. Natural que ressaltasse o incidente como indício de que estava correto nas suas suspeitas.
            A prática de verificação do passado político de dirigentes de instituições espíritas não se restringe, como se poderia supor, ao período ditatorial de Getúlio Vargas. No dossiê “Centro Espírita Jorge e Jurema”, de 3 de Janeiro de 1950, encontra-se um ofício de seu presidente, informando ao diretor da divisão de Polícia Política e Social o endereço da instituição, bem como os dias e horários de suas atividades. Anexa uma listagem com dados pessoais de diretores e conselheiros do centro. Dela constava nome, nacionalidade, estado civil, idade, data de nascimento, endereço residencial, profissão, endereço do local de trabalho e filiação. Mais adiante, em outro ofício do Serviço de Informações, menciona-se que existiam, com nomes iguais, os registros de dois diretores deste centro,
José Alves de Lemos, mecânico, trabalhando na fábrica Andaraí, morador na Praça Itororó 14, foi membro do extinto P.C.B., desde abril de 1945, estruturado na célula ‘Tobias Warchawsky’.
José de Freitas foi inscrito eleitor na 2ª Zona Eleitoral, sob o n° 4.543, por intermédio do extinto P.C.B., em 1945.
2) Quanto aos demais nomes que compõem a diretoria do “Centro Espírita Jorge e Jurema”, nada consta nêste Setor.[58]

            Agora a acusação que recai sobre espíritas é de serem comunistas. E isto acontecendo a partir de uma comunicação de atividades do Centro espírita. Será que era obrigatória? Surpreendeu-me a longevidade da prática porque, ao que me parece, aquelas exigências apontadas na portaria de Abril de 1941 estão presentes, ainda, na década de 1950. No dossiê “Nosso Lar – Fraternidade Universal”, num ofício de 18 de Maio de 1950, de seu presidente ao diretor da Divisão de Polícia Política e Social consta solicitação de licença de seu presidente:
O abaixo assinado, presidente da sociedade civil e filantrópica “Nosso Lar” Fraternidade Universal, com sede provisória à Av. Mem de Sá, n° 137, nesta, devidamente registrada sob o n° de ordem 1234 do livro A1, protocolo 2641, em 2 de janeiro do corrente ano, no Cartório Linhares, Registro Civil de Pessoas Jurídicas, e, com a competente autorização do 6° Distrito Policial, bem como da Delegacia de Costumes e Diversões, vem, mui respeitosamente, anexando uma cópia dos estatutos sociais de Nosso Lar e a relação dos componentes da atual Diretoria, solicitar de V. As. se digne verificar, fornecendo-nos a devida notificação do despacho exarado, se existe algo em desacôrdo com as exigências legais vigentes. N. termos, P. Deferimento. [59]

            Segundo o ofício, depois de registrados os estatutos, e com as autorizações da delegacia local e da Delegacia de Costumes e Diversões, cabia aos Centros encaminharem-se à divisão de Polícia Política em busca de autorização para seu funcionamento. Trâmite muito semelhante àquele proposto em 1941, e possivelmente não muito barato. À caneta, neste ofício, consta “indeferido”, pedindo oficiar-se a respeito o delegado de Costumes e Diversões. O Serviço de Informações encaminha ao Setor Trabalhista, para informações. E assim despacham:
Danilo Benayon do Amaral, atual tesoureiro da Sociedade civil e filantrópica “Nosso Lar” Fraternidade Espírita Universal, é militante comunista estruturado na célula “Tiradentes” (secção escritório).
Isto posto, e tendo em vista que é princípio do extinto P.C.B. infiltrar seus agentes em todas as entidades de caráter espírita, cultural, esportiva, recreativa, etc, este setor opina contra o seu funcionamento, a menos que se verifique a exclusão do citado membro. Cecil Borer – Chefe do Setor Trabalhista.[60]

            A acusação de que o tesoureiro da instituição seria um militante comunista e a argumentação da prática de infiltração em outras instituições, parecem-me procedimentos e argumentos de rotina, uma vez que as palavras são as mesmas, neste caso e no do Centro Espírita Jorge e Jurema, já apresentado. Caso fossem afastados da diretoria os elementos suspeitos, o funcionamento da instituição poderia ser liberado.
No ano de 1942, entra em vigor o Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de Dezembro de 1940, o novo Código Penal. Textualmente, não cita o Espiritismo, entretanto, constam em seus artigos 282, 283 e 284 a preocupação com a repressão ao ‘curandeirismo’, o ‘charlatanismo’ e o ‘exercício ilegal da medicina’:
Art. 282 - Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa.
Art. 283 - Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Art. 284 - Exercer o curandeirismo:
I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;
II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;
III - fazendo diagnósticos:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica também sujeito à multa. [61]

            Segundo Emerson Giumbelli, o Código Penal vigente, reformado em 1985, “mantém, quanto aos crimes de exercício ilegal da medicina, charlatanismo e curandeirismo, uma redação praticamente igual a de 1940.” [62] Um médium receitista pode, ainda hoje, ser acusado de crime triplamente qualificado, respectivamente nos crimes de exercício ilegal da medicina, charlatanismo e curandeirismo. O inciso II deste que analisamos poderia dar margem a acusação de que aqueles que aplicam passes em instituições espíritas incorreriam em curandeirismo, por conta da imposição de mãos e eventuais gestos que sejam realizados durante a prática.[63] Carlos Imbassahy, escritor espírita, reconhece a dificuldade que era colocada pelas autoridades: “O curador não terá já por onde livrar-se. O código previu todos os meios, [...] esgotou todas as hipóteses. Não há defesa possível ou imaginável [...]” [64]
            Emerson Giumbelli mencionou, ainda, a existência de outra portaria da Polícia, do ano de 1942, mas informa em nota não ter encontrado o texto nos jornais que consultara, conseguindo apenas alguns fragmentos que teriam sido publicados no Reformador de novembro daquele ano. Ao iniciar a pesquisa no acervo do Conselho Espírita do Estado do Rio de Janeiro, a senhora Teresa Simões da Silva, colaboradora da instituição, entregou-me uma pasta com alguns materiais, pesquisa prévia que realizara naquele acervo. Dentre eles, o primeiro era, simplesmente, o texto da Portaria na íntegra recortado de jornal colado em uma folha de papel, onde alguém datilografou uma espécie de fichamento, destacando palavras e expressões-chaves para uma rápida consulta. Através da leitura do Livro de Registro das Sociedades Filiadas à Liga Espírita do Distrito Federal, de Dezembro de 1957, pude verificar que o número desta Portaria era 8.363, datada provavelmente de 22 de Setembro de 1942, por conta da repetição desta data em diferentes registros de centros espíritas atingidos pelas medidas.
            O texto da portaria 8.363 começa com a demagógica referência à liberdade do exercício da Doutrina Espírita, enquanto “confissão de fé e ensino da ciência”. Refere-se a “deturpações apuradas da doutrina espírita entre nós”, o que no entendimento da Polícia traria a necessidade de “firmar regras gerais uniformes, para regular o funcionamento dos centros e sociedades espíritas, afim de possibilitar à fiscalização policial uma ação preventiva e repressiva, eficiente contra elementos anti-sociais que se insurgem em meio às organizações espíritas.” [65] Que deturpações seriam essas? Por que elas não são enumeradas? A carta de intenções da portaria pretende uniformizar a prática espírita, para melhor fiscalizar, eventualmente reprimindo. Novamente a “nuvem sombria” dos elementos infiltrados! Considero que em todos os tempos precisaríamos de dispositivos legais contra os elementos anti-sociais que vampirizam os governos... Estes são bastante nocivos. Muitos deles se salvam, porque formulam as leis que os avaliarão. Mas, volto ao tema. As instruções seriam “dentro das exigências da ordem pública e dos bons costumes”, para que não ocorressem, nas práticas dos centros espíritas, “desvios a título de atuação e propaganda da doutrina”. Tudo sempre muito genérico, para que pudessem catalogar como “ordem pública” e “bons costumes” as suas intenções. E proclama, ao início, a liberdade de exercício da doutrina!
            O primeiro item da portaria informa que as sociedades espíritas, para efeitos de fiscalização policial, seriam divididas em duas categorizações, as que possuíssem a finalidade de culto e aquelas dedicadas aos estudos psíquicos. Enquanto confissão religiosa, deveriam apenas observar as disposições do direito comum. Porém, como
organizações de ensino científico (Constituição citada, art. 128), ficam as sociedades espíritas impedidas de, nos seus trabalhos de experimentação psíquica, usarem de meios e práticas mediúnicas excedentes ao desenvolvimento dos próprios órgãos do sentido do homem ou atentatórias à integridade intelectual e física do indivíduo [...] [66]

            Entendo que a observância deste item inviabilizaria, por completo, qualquer prática de natureza mediúnica, uma vez que, no exercício da mediunidade, algumas das percepções humanas dos médiuns se vêem ampliadas. Vêem, ouvem e descrevem sensações o que as demais pessoas não percebem. A preocupação demonstrada com a integridade física e intelectual parece valer-se da argumentação de setores da medicina contrários às práticas espíritas, consideradas por eles como nocivas à saúde das pessoas.
            Os Centros espíritas, a partir de Setembro de 1942, foram obrigados a dividir seus associados em duas categorias. A primeira era a de filiados, que se dedicariam ao desenvolvimento da moral cristã espírita e às práticas de benemerência social. A segunda, de “adeptos”, que possuíssem “capacidade mental e intelectual necessárias para a compreensão e a efetivação de trabalhos de investigação psíquica.” [67] Assim, os associados que participassem do “círculo de experimentações psíquicas” deveriam submeter-se a exame médico, realizado por profissional escolhido pela diretoria da instituição, “cabendo-lhe responsabilidade, conjuntamente com a diretoria, por qualquer falta, dolosa ou culposa, que se verificar na circunstância.” [68] Para facilitar a fiscalização da Polícia nos centros, estes deveriam
“fazer constar em seus livros, a relação dos nomes com os característicos de identidade de todos os membros da diretoria e associados que ingressarem no círculo de experimentação psíquica, incluindo a declaração do médico responsável em referência à capacidade mental e intelectual daqueles associados.” [69]

            O Grupo Espírita Antonio de Pádua coloca em prática a divisão do quadro social, estabelecendo que os adeptos “serão os de capacidade mental e intelectual necessária para a compreensão e efetivação de trabalhos de investigações psíquicas,” [70] simplesmente uma citação do item IV da portaria. Dos estatutos a que tive acesso, este foi o único que estabeleceu a distinção definida pela Portaria, mas imagino que outros possam ter feito, arcando, evidentemente, com as despesas decorrentes de reformulações deste documento. Por outro lado, tive acesso a atestados médicos realizados para avaliar a “capacidade mental e intelectual” de associados, como impunha essa Portaria, tanto do Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança como do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor. Neste, havia apenas um, “perdido” no meio das folhas de um dos livros de atas que pesquisei. Isso porque nesta instituição ele não foi inscrito no seu Livro de Registro de Médiuns, como na primeira instituição. Ambas possuem, até hoje, seus livros.
            Nesses dois centros espíritas, os Livros de Registros de Médiuns são do ano de 1943.[71] No Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor o livro possui uma foto 3X4 dos médiuns, nome, nacionalidade, idade, filiação, estado civil, profissão, endereço do local onde a exerce, residência, observação e naturalidade. O último cadastro, incompleto, que encontrei no livro do Grupo de Caridade intrigou-me. Havia presas, num clips, três fotos de uma senhora. Produziriam outros documentos além deste cadastro? Antes de ter acesso ao texto da portaria, apenas especulei. A relação dos médiuns, além de ser feita num livro que deveria permanecer na instituição, também deveria ser “remetida à Secção de Tóxicos, Entorpecentes e Mistificações, por intermédio da 1ª Delegacia Auxiliar, para o necessário controle.” [72] Acredito, então, que na relação enviada às autoridades pudesse constar, além das informações pessoais dos médiuns, suas fotos. Será que a terceira foto serviria para algum documento de identificação dos médiuns na Delegacia de Polícia? Não sei.
                                                Livro de Registro dos Médiuns do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor
                                                                               Atestado médico de um médium
            No Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança, no seu Livro de Registro de Médiuns constam, em cada um dos cadastros, por escrito, o atestado médico, com a firma do atestante reconhecida em cartório: “Atesto que Benta Ermelinda Sampaio não possui doença infecto-contagiosa e tem, na presente data, perfeito estado de sanidade mental. Por ser verdade firmo a presente. Podendo ingressar no círculo de experimentações psíquicas.” [73] Assina esse atestado o Dr. Cadmo Brandão, médico que se responsabilizou por todos os atestados médicos dos médiuns desta instituição, atendendo ao que estava previsto no item V da portaria. [74] Muitas vezes ele foi convidado a realizar conferências espíritas nesta instituição e em algumas atas do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor foi, igualmente, mencionado como palestrante. Não havia problemas se o médico fosse espírita, contanto que fosse médico, poderia se responsabilizar pela avaliação clínica dos interessados em participar das atividades mediúnicas dos Centros espíritas. Em reconhecimento aos serviços prestados, na Assembléia Geral realizada em 25 de Agosto de 1944, o 1° secretário dos quadros da Diretoria, propôs
que a assembléia concedesse ao confrade Doutor Cadmo de Moura Brandão o título de sócio Honorário, (...) justificando essa proposta com a alegação notória de que o Doutor Cadmo de Moura Brandão, ilustre clínico patrício, se tem devotado á causa espírita em geral e ao nosso Centro em particular. Examinada essa proposta, a assembléia houve por bem julgar merecido o título, concedendo-o unanimemente àquele confrade.[75]  

             A prática de exigir-se atestado médico para participação em reuniões mediúnicas não era nova e estava se tornando realidade pelo país. Angélica Almeida, no seu trabalho, menciona que
no ano de 1932, houve um acordo entre a Secretaria de Segurança Pública do Estado de Pernambuco e o Serviço de Higiene Mental para que este garantisse a licença para o funcionamento destas religiões. [...] No Serviço, exigia-se a presença dos médiuns, que eram submetidos a exame clínico, determinação do quociente intelectual e perfil psicológico. [76]

            Uma evidência de que essas exigências obtinham resultados práticos pode ser constatada na decisão do Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança, em sua reunião de diretoria, realizada em 16 de Março de 1943, que, “desta data em diante, não mais deverão trabalhar em nossa mesa os médiuns que não se acharem inscritos no respectivo livro, registrado na Polícia.” [77] Os demais médiuns, cujas faculdades psíquicas estivessem desenvolvendo-se, seriam identificados por cartões, sem os quais não seriam admitidos nas reuniões mediúnicas.
Essa mesma Portaria de Setembro de 1942 impediu as sociedades espíritas de prestarem serviços médicos, dentários ou farmacêuticos, sem que tivessem preenchido todas as formalidades legais para tanto. No caso de manterem esses serviços deveriam fazê-lo em locais independentes, destinados de maneira exclusiva para tal fim. Os menores de 21 anos de idade foram impedidos de participar das sessões mediúnicas (chamadas, pelo texto da portaria, de sessões de estudos psíquicos ou círculo de experimentações psíquicas), além de não poderem fazer parte de diretorias de centros espíritas. Só poderiam exercer cargos de diretores aqueles indivíduos que tivessem “a necessária idoneidade e instrução para o desempenho das funções” [78] requeridas pelos cargos.
            Para obterem a autorização de funcionamento de suas instituições, os Centros Espíritas deveriam atender a uma lista com oito itens de exigências. A solicitação de licença deveria ser encaminhada à Polícia com dois exemplares dos estatutos do Centro, acompanhados de atestado da delegacia da região, a fim de que informasse sobre as condições do prédio onde funcionaria o centro, e se o seu estabelecimento naquele local causaria algum inconveniente. Além disso, exigiam-se informações quanto à conduta, residência e identidade dos diretores e responsáveis pelo Centro. Novamente os atestados sobre os passados políticos e criminais dos diretores eram solicitados. Deveriam, também, provar a personalidade jurídica da instituição e a eleição de seus quadros diretores, com a descrição da duração de mandatos, além de suas fotos 3X4.
            As novas instituições espíritas não poderiam funcionar em prédios onde funcionassem outras atividades e nem em residências particulares. Poderiam ser toleradas aquelas que funcionassem em pavimento superior ou inferior, desde que não tivessem comunicação interna entre andares, também desde que ocupadas completamente pelo Centro. Objetivavam manter a sede dos Centros espíritas completamente isoladas do restante do espaço, com entrada e saída diretas para a rua. Além disso, a área não ocupada pela sociedade não poderia ser de habitação coletiva em hipótese alguma.
            A Seção de Tóxicos, Entorpecentes e Mistificações organizaria um fichário de instituições espíritas com seus dias e horários de funcionamento, além de um cadastro de seus diretores. As mudanças de local de atividades e as substituições de diretores deveriam ser comunicadas à Polícia pelos centros. Os horários estabelecidos para as reuniões deveriam ser respeitados e se houvesse o desejo de modificá-los, tinham que comunicar-se com esta Seção, que poderia vetar tal mudança. Em cada endereço, não poderia funcionar mais de um centro espírita.
            O item XVIII assim dispõe:
As atuais sociedades espíritas já registradas na Polícia e aquelas, cujos registros ainda estejam processando, tem o prazo de trinta dias, a partir da data da publicação destas instruções, pra regularizarem a situação na conformidade das disposições ora estabelecidas, exceto para as adaptações convenientes de suas sédes, para o que terão o prazo de sessenta dias, podendo, entretanto, ditas organizações, funcionar enquanto providenciam a sua regularização.  [79]

            Através do Livro de Registro das Associações Agregadas à Liga Espírita do Brasil verifiquei aquelas instituições que fecharam temporariamente, ou não, por não terem conseguido atender as longas e embaraçosas exigências policiais a partir de 1942. No bairro do Encantado, por exemplo, dos cinco Centros espíritas existentes, apenas um conseguiu manter-se em funcionamento. Em Olaria, dois de seus três centros suspenderam suas atividades. No Engenho de Dentro, dois fecharam suas portas. Uma instituição fechou suas portas em cada um dos bairros do Sampaio, Andaraí, Tijuca, São Cristóvão, Marechal Hermes, Piedade e Botafogo. Em Ricardo de Albuquerque, Mangueira e Anchieta as únicas instituições espíritas que possuíam interromperam seus trabalhos, totalizando quinze centros. Muitos avisaram a interrupção das atividades à Liga Espírita do Brasil através de cartas, às vezes alguns meses depois. A Sociedade Espírita Paz, por exemplo, comunicou que “deixou de funcionar temporariamente em 24/12/1942, conforme carta de sua presidente, dona Palmira Bastos. O Conselho da Liga tomou conhecimento em sessão de 17/01/1943. Voltou a funcionar em Abril de 1945.” [80] Já o Grupo Espírita Discípulos de Francisco de Paulo, do Encantado, teria retomado suas atividades em Outubro de 1947.
                                                Página do Livro de Registro das Associações Agregadas à Liga Espírita do Brasil 
Como se pode verificar, o retorno às atividades mesmo quando ocorria, às vezes não era um processo rápido. Às vezes, ao que parece, os Centros espíritas não tornavam a funcionar. O Centro Espírita Estrela Guia, de Marechal Hermes, foi um deles. O Conselho da Liga ficou sabendo de seu fechamento em Fevereiro de 1943, “não tendo comunicado se reiniciou ou não os seus trabalhos, é considerado sem funcionamento.” [81] O Centro Espírita Jorge Niemeyer, de São Cristóvão, “não tendo feito a legalização exigida em Portaria policial, foi considerado sem funcionamento temporariamente. Desagregado em 21/07/1945 por não estar funcionando, há muito tempo, e não tendo feito qualquer comunicação.” [82]
Algumas cartas avisando a Liga Espírita do Brasil do fechamento de instituições davam conta de que suas atividades haviam sido suspensas já em dezembro de 1942, exatamente após o prazo de sessenta dias estipulado pela portaria de Setembro de 1942, para que os Centros espíritas realizassem as adaptações exigidas pela Polícia em suas sedes.[83] Tentavam os espíritas, assim, manter ao máximo a instituição aberta e, quando já receavam a fiscalização, dois meses depois fechavam. Não era incomum, como foi apresentado no primeiro capítulo, que mais de um Centro espírita ocupasse o mesmo imóvel, já que boa parte das instituições não realizava atividades todos os dias da semana. Dessa forma, podiam dividir eventuais despesas de aluguéis, bem como demais encargos. A vontade policial agora era que isso não mais ocorresse, e imagino que tenha sido, também, um duro golpe para aquelas instituições que funcionavam em residências ou que compartilhavam endereços. Como já discutido, muitas instituições nasciam em casas, mantendo-se por algum tempo funcionando assim. A medida policial, nesse aspecto, cerceava o surgimento de novas sociedades espíritas, além de atingirem, com vigor, aquelas existentes que não tivessem muitos recursos materiais para alugarem ou comprarem uma sede adequada e própria.
As evidências reunidas na pesquisa indicam que estas exigências formuladas pela portaria não eram fáceis de serem atendidas. Os diretores do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor também entenderam desta forma e dedicaram uma reunião de diretoria, em 12 de Novembro de 1942, exclusivamente para tratar deste assunto, e providenciar documentos que seriam entregues “ao Sr. Osvaldo Ferreira, os trabalhos de legalização do Grupo junto à Polícia Civil do Distrito Federal.” [84] Provavelmente tratava-se de um advogado ou um despachante, mas nem todos poderiam permitir-se isso. Entendo que boa parte destas medidas alcançou, de maneira privilegiada, as sociedades espíritas cujos adeptos fossem mais pobres. Se ninguém, de um modesto centro espírita, conhecesse um médico para fornecer os atestados médicos necessários sem custos, estes teriam que ser pagos. Penso que não era comum contar-se com um médico entre seus colaboradores, como no Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança. Um médico que não fosse conhecido por aquelas pessoas, e que muito menos compartilhasse sua fé, certamente não assumiria a responsabilidade médica, mas também criminal, de fornecer qualquer parecer sobre suas condições físicas e mentais por escrito e assinado, com firma reconhecida para cada um. Não sei quanto custava uma consulta médica, mas não estou certo se alguém recorreria a algum raro hospital público daquela época a fim de conseguir um atestado para o ingresso em reuniões mediúnicas de instituições espíritas.  Havia, ainda, o custo político. Quantos médicos aceitariam, mesmo sendo pagos, atestar sanidade física de alguém para que esta pudesse participar das atividades mediúnicas de algum Centro espírita, sabendo que estavam sendo vigiados pela Polícia? Quantos quiseram se envolver nisso? Mais um custo a assumir.
Despesas de cartório, até hoje, são de arrepiar. Não sei quanto custava nos anos 1940 para reconhecer firma de alguém, mas se imaginarmos um centro com pelo menos dez médiuns, são dez atestados e dez firmas reconhecidas. E os estatutos? A dificuldade de elaborar, para pessoas nem sempre bem alfabetizadas[85], devia ser um obstáculo e tanto. E registrá-los? Imagino que o custo não fosse pequeno. E constituir uma personalidade jurídica? A portaria também pedia que se comprovasse a existência legal das sociedades, com sede e endereço próprios. A exigência de que apenas pessoas que possuíssem instrução exercessem os cargos de diretoria também deve ter provocado sérios transtornos. No primeiro capítulo foi possível verificar a quantidade de pessoas cuja condição social não era elevada. Acredito que realizar tarefas de secretário ou tesoureiro, para ficarmos apenas em duas, não fosse fácil para pessoas semi-alfabetizadas. Mais uma vez, reitero, não estou colocando isso como regra. Da mesma maneira que existiam espíritas nos diferentes espectros políticos, existiam também em todas as classes sociais. Estou me referindo, neste momento, àqueles com menos recursos materiais, que tinham, pelo menos de maneira formal, o direito de terem e exercerem suas crenças.
A análise das sociedades espíritas filiadas à Liga Espírita do Brasil permitiu contatar que fecharam, por causa da portaria, algumas nas Zonas Norte, Oeste e bairros do subúrbio. Apenas uma fechou na Zona Sul. Seria coincidência que só uma tenha sido afetada nesta região? O Centro Espírita Estrela da Luz, de Botafogo, segundo os registros da Liga, teria interrompido suas atividades em Abril de 1942. Acredito que o Conselho da Liga tenha tomado conhecimento do ocorrido apenas neste mês. Porém, o Centro Espírita Estrela da Luz teve condições financeiras para se mudar e “adequar” sua sede às exigências policiais. A última informação que se tem é que “instalando-se em nova séde, à Rua Voluntários da Pátria, 449, reiniciou, posteriormente, suas atividades.” [86] Mas, e aqueles Centros que não tinham vínculos com a Liga nem com a FEB? Quantos sobreviveram, quantos teriam fechado e quais dificuldades teriam encarado? Não é possível responder a essas perguntas porque deles não consegui reunir informações.
            Em 15 de Outubro de 1943, o Diário da Noite traz a seguinte notícia em que anunciava “Facilidades contidas na portaria assinada pelo novo chefe de polícia”:
O coronel Nelson de Melo, chefe de Polícia, assinou portaria dando nova redação a uma outra, que regulamentava o funcionamento dos centros espíritas desta capital. As modificações introduzidas vieram trazer benefícios e facilidades ao culto. Com referência aos serviços médicos, dentários, jurídicos, farmacêuticos e outros, poderão, agora, funcionar no mesmo prédio em que funciona a sessão, desde que não haja qualquer comunicação com esta.
Os cargos da diretoria só poderão ser ocupados por pessoas comprovadamente idôneas. Quanto à localização dos centros, não poderão estes funcionar em casas de habitação coletiva, ou prédio onde resida mais de uma família. É permitido, entretanto, funcionarem em horários alternados, no mesmo prédio, dois centros, desde que não haja empecilhos. Quanto aos menores, só podem frequentar as sessões religiosas, excetos os considerados por lei de maior idade, que também poderão tomar parte nas psíquicas, mais conhecidas por científicas. A 1ª Delegacia Auxiliar responsabilizará os que desvirtuarem as suas qualidades para o terreno econômico, sendo as sessões suspensas, independente da ação judicial. [87]

            Segundo ofício encaminhado pelo Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança ao Delegado de Costumes, Tóxicos e Mistificações, ficamos sabendo que se tratava da Portaria n° 10.194, de 10 de Outubro de 1943.[88] Procuravam, neste documento, atender a uma exigência que não foi citada na matéria, enviando, na ocasião, “uma nova relação de médiuns, que fazem parte do Círculo de Experimentações Psíquicas.” [89] Acredito que serviços médicos, farmacêuticos e dentários, não eram oferecidos por Centros espíritas mais pobres porque imagino que aqueles profissionais exercessem esses serviços nas mesmas instituições em que fossem freqüentadores. O funcionamento de dois centros num mesmo espaço, em horários alternados, também significou algum avanço para os espíritas. Mas não deixa de favorecer aos agentes fiscalizadores. Dois centros no mesmo endereço! Diminuem os deslocamentos e poderiam assim que desejassem, consultar os livros das duas instituições. Com relação à presença de menores, este novo texto, transcrito pelo jornal, é mais específico. A portaria anterior impedia-lhes de exercerem cargo nas diretorias e de participarem das reuniões mediúnicas.[90] Mas não mencionava se poderiam ingressar naquelas de caráter religioso, o que a nova Portaria contempla e libera. No mais, pelo que noto, não houve grandes alterações. A idoneidade exigida para os ocupantes dos cargos de diretoria mantém-se, bem como a proibição de Centros funcionarem em casas de habitações coletivas. A última idéia do texto, com relação às finalidades dos Centros espíritas, chama a atenção por indicar o temor de “desvirtuarem as suas qualidades para o terreno econômico.” Acredito que esteja referindo-se àqueles que buscavam tirar proveito financeiro das atividades mediúnicas, cobrando por suas atividades. Eis como se pronunciou Inácio Bittencourt naquele relatório sobre as forças religiosas no Brasil:
[...] Bem sei que, como todas as religiões, o Espiritismo também tem servido a que se explore com ele, no terreno material, em benefício de certos aproveitadores. Mas isso não lhe tira a grandeza moral em que assenta seu postulado. [...] Isso nos tem trazido, por vezes, grandes dissabores, dando ensejo a que os nossos adversários nos neguem e nos combatam. [91]

A possibilidade de algumas pessoas ganharem dinheiro com a mediunidade, declarando-se espíritas, pode ter gerado problema para os espíritas, atraindo para eles as atenções das autoridades policiais, além de críticas, como aponta o médium citado.
Outro conjunto de documentos que permite avaliar o impacto das normas policiais dentro das instituições espíritas são as cartas encaminhadas à Liga Espírita do Brasil, pelos centros interessados em agregarem-se a ela. Em seu boletim solicitando informações para agregação de centros espíritas, a Liga perguntava diretamente se os interessados estavam registrados na Polícia. Das cartas de agregação a que tive acesso, a mais antiga, do Novo Centro Espírita Antonio dos Pobres[92], de 13 de Setembro de 1937, não possuía a informação. No entanto, em outro boletim para agregação da mesma instituição, datado de 28/04/1941, consta que ela já estava registrada na Polícia. Em duas outras, de 1942, as respostas faziam referência ao registro[93]. No parecer da Procuradoria da Liga, sobre a agregação do Grupo Espírita Antonio de Pádua, localizado em Botafogo, de 25 de Junho de 1943 consta que “o requerente deverá oportunamente provar o desfecho do seu licenciamento na Chefatura da Polícia”.[94] Em 18 de Julho do mesmo ano, a Liga envia uma correspondência ao presidente da instituição interessada, informando-lhe que o Conselho concedeu-lhes a agregação.
Como, porém, a Procuradoria da Liga gere algumas observações, o Presidente da nossa instituição deseja, antes de ser entregue a ‘Carta de Agregação’ ao Grupo, ter um entendimento pessoal com o estimado confrade, aqui na sede. [...] Durante essa entrevista, ficará marcada a data da entrega da Carta, de acordo com o prazo em vigor. [95]

Pela troca de correspondências, observa-se que era importante para a Liga Espírita do Brasil que as instituições que estivessem ligando-se a ela estivessem com sua situação regularizada junto à Polícia. O parecer final sobre a agregação dos Centros estava condicionado a este procedimento e as instituições espíritas em processo de regularização junto às autoridades policiais, só obtinham sua carta de Agregação após obter licença policial. Ao tratar da vinculação do Centro Espírita Guia, Luz e Esperança, a Procuradoria da Liga demonstra novamente que “a solução deste pedido e de tantos outros em processo, dependerá afinal da licença a ser concedida pela Chefatura de Polícia aos interessados [...]”.[96] Tratando do caso do Centro Família Espírita (Fé), do Centro da cidade, Aurino Souto, presidente da Liga, escreve que “para que tenha andamento o processo de agregação, prove os diretores do centro requerente, qual a sua situação junto à Delegacia de Ordem Política e Social. Esta exigência baseia-se na solicitação feita por aquela Delegacia neste sentido.” [97]
            Através da leitura de algumas atas de reuniões de diretoria e assembléias gerais do Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança, fundado em 1° de Setembro de 1942, dias antes da portaria já analisada, acompanhei alguns lances de sua regularização junto às autoridades policiais. Na reunião de diretoria ocorrida em 19 de Novembro daquele ano,
comunicou, ainda, o senhor Presidente que já foi dado início à legalização do Centro junto às autoridades policiais competentes, relatando todas as demarches até agora levadas a efeito para tal fim, e pediu que todos se interessassem o mais rapidamente possível em procurar providenciar, dentro de suas atribuições, para que tudo quanto estiver ao seu alcance fazer, no sentido de abreviar essa legalização, fôsse executado, pois assim, em breve, poderemos ter o Centro inteiramente legalizado.[98]

Parece-me que os membros da instituição devem ter dividido as tarefas de regularização entre si, além da obtenção daquelas certidões que tratavam do passado político e criminal, que provavelmente deveriam ser solicitadas individualmente. Em 7 de Janeiro de 1943, reunindo-se novamente esta diretoria,
o senhor Presidente falou sôbre a legalização do Centro junto às autoridades policiais, dizendo que todos os documentos necessários ao respectivo registro na Polícia já se encontravam na Primeira Delegacia Auxiliar, repartição a que está afeto o registro dos Centros espíritas desta Capital; (ilegível) assim estamos de posse do respectivo cartão de protocolo daquela Delegacia. [99]

            Praticamente em um mês juntaram os documentos necessários e deram entrada ao processo, possuindo já o comprovante do ato. Na reunião seguinte, em 9 de Fevereiro de 1943
o senhor Presidente referiu-se às despesas ocasionadas com a legalização dos papéis para o devido registro do nosso Centro na Polícia, despesas essas que constaram de sêlos, reconhecimento de firmas, etc, num total de duzentos e quatro cruzeiros (CR$:204,00), cujo pagamento ele próprio fez, sem ônus para os cofres sociais. [100]

            Foi uma ajuda importante para a instituição, pois naquele mês o centro tivera um saldo de quatrocentos e oitenta e sete cruzeiros e oitenta centavos (CR$: 487,80). Ou seja, a despesa com os papéis, provavelmente, realizada em Janeiro daquele ano, representou quase a metade do valor em caixa na instituição. Para se ter uma idéia aproximada do que representaria o gasto com documentos necessários ao registro de Centros espíritas, pesquisei o valor do salário mínimo na ocasião. Em Julho de 1943 o salário foi reajustado para trezentos cruzeiros (CR$: 300,00).[101] Sem levarmos em conta que o gasto foi no início do ano e o reajuste no segundo semestre, fazendo as contas, num cálculo grosseiro, as despesas dos centros representariam 2/3 de um salário mínimo. Assim, como a despesa foi anterior ao reajuste, quando este salário era menor, o gasto, na proporção, foi ainda maior. Não deve ter sido fácil, insisto, para os centros espíritas com menos recursos materiais.
            Em 16 de Março de 1943, o 1° secretário da instituição solicita informações ao procurador sobre o andamento do processo de regularização. Segundo ele
tal processo se encontra em bom curso, precisando-se, porém, fazer uma nova petição ao senhor Coronel Chefe de Polícia solicitando juntada, ao processo, dos atestados de identidade fornecidos pela Diretoria Geral de Investigações aos diretores Agostinho José Rodrigues, Antonio Corrêa Vilella e Antonio dos Santos. [102]

            O atestado que estava pendente para estes diretores era o que tratava de seus antecedentes criminais, provavelmente porque não foi juntado antes e, por isso, tiveram a exigência a cumprir. Dois anos depois, finalmente a notícia do deferimento do processo pela Chefia de Polícia. Assim,
comunicou o senhor Presidente que voltou hoje ao Departamento Federal de Segurança Pública, a secção competente, tendo sido informado de que o despacho definitivo do pedido de licença para o funcionamento do nosso Centro já fora dado em quinze deste mês pelo senhor Chefe de Polícia. Entretanto, a fim de cumprir outras formalidades, a petição foi enviada à Delegacia de Costumes, Tóxicos e Mistificações, em dezenove também deste mês, e daí à Primeira Delegacia Auxiliar (cujo delegado, porém, já foi transferido para outro cargo). Contudo, obteve o senhor Presidente a informação de que o processo foi mandado novamente à Delegacia de Costumes, Tóxicos e Mistificações, e lá deveria ele voltar na próxima quarta-feira, a fim de receber a certidão definitiva. [103]

            Depois de idas e vindas burocráticas, eis que conseguem, praticamente depois de dois anos do início do processo, o aval da Chefia de Polícia para a instalação definitiva do Centro. Interessante é o que dispõe o item XX, da Portaria n° 8363, de 22 de Setembro de 1942: “As soluções sobre pedidos de registros serão dadas no prazo mínimo de oito dias, a partir da data de entrada da documentação na D. G. E. C., dês que não ocorram dentro deste prazo, outras exigências desta chefia ou da 1ª Delegacia Auxiliar.” [104] Apesar de fixar um prazo mínimo, a lei não definiu um prazo máximo...
Pensei que as dificuldades dos espíritas, com relação às autoridades policiais, ficassem restritas às décadas de 1930 e 1940. A primeira surpresa que tive foi no Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança. Aí tive acesso a um ofício, de 5 de Janeiro de 1963, da Delegacia de Costumes e Diversões, de sua Sub-Seção de Repressão a Entorpecentes. Nele, informam que se encontravam arquivados os requerimentos de Henrique Grabski, na condição de responsável pelas “reuniões de caráter espiritualista” da instituição e fazem uma “observação”: “As sessões só podem ser realizadas até as 22 horas, não sendo permitido o uso de tambores ou de quaisquer instrumentos sonoros.” [105] De observação esse aviso não tinha nada. Penso que a referência a instrumentos sonoros se prenda ao fato de muitos fizessem tabula rasa das reuniões espíritas, uma vez que tambores são usados em núcleos das religiões afro-brasileiras. Em comum possuem a prática da mediunidade, mas não são iguais por isso.  
Busquei os livros de atas do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor, a fim de verificar se encontrava alguma referência a problemas posteriores àquelas décadas. Eis que, na reunião de diretoria realizada no dia 13 de Março de 1951, “foi lembrado pelo Sr. Fausto José Peluso, as penas que estão sujeitas as sociedades espíritas, diante do Código Penal, em virtude da freqüência de menores nas seções, e do receituário de pacientes.” [106] É compreensível que a questão do receituário mediúnico continuasse na pauta. Como já foi comentado, quem o praticasse expunha-se ao risco de ser enquadrado em três crimes. Não encontrei referências de alguém que tivesse sofrido essas penalidades depois da década de 1940, cujo caso ganhasse publicidade. A freqüência da presença de menores nas reuniões sendo apresentada como um problema não chega a ser uma novidade. O texto da portaria de Setembro de 1942 colocara impedimentos à participação de indivíduos com menos de 21 anos de idade às reuniões mediúnicas. [107] Tenho dificuldades de compreender onde, no Código Penal, existiria essa restrição, principalmente porque não mencionaram qual artigo enquadraria isso. De que natureza seriam as penalidades que sofreriam os centros espíritas, conforme a preocupação do associado acima? Não encontrei nada a respeito.
                                                                  Fausto José Peluso
Em outra reunião de diretoria, realizada em 10 de Dezembro de 1963, na leitura das correspondências que recebiam para posteriores providências, mencionam uma da então Liga Espírita do Estado da Guanabara, ex-Liga Espírita do Brasil, “contendo instruções sobre o comparecimento das associações em público e sobre a participação de menores às sessões práticas.” [108] Doze anos depois, a preocupação persiste e está sendo discutida entre os espíritas das entidades federativas e dos centros. E por que mereceriam instruções o comparecimento em público das associações? Haveria alguma restrição ou algum risco para tal atitude? Em 12 de Abril de 1966, novamente numa reunião de diretoria,
o senhor Carneiro usou da palavra dizendo que sábado foi à Liga Espírita e lá foi dito que o Dep. Federal de Segurança Pública estava exercendo severa fiscalização às Casas Espíritas, sendo necessário tomar algumas precauções, como só permitir os passes dados à distância, com sexos separados, não permitir que os médiuns receitem, sendo também conveniente se fechar o portão, às sextas-feiras às 20:30 hs [...] [109]

Penso que a recomendação para que a aplicação de passes fosse à distância, somada à da separação de homens e mulheres no ambiente objetivava evitar contato físico entre as pessoas. E as autoridades estatais, novamente, ao que parece, voltando suas atenções aos centros espíritas. Não consegui apurar a natureza desta fiscalização, sua intensidade e efeitos. Foi a última referência que encontrei nos materiais pesquisados.
De maneira geral, ao longo do período estudado as autoridades estatais buscaram controlar e fiscalizar as atividades doutrinárias dos espíritas. Interferiram também, em sua dinâmica de funcionamento, impondo quem poderia participar das reuniões ou criando exigências para tanto, além de definirem como seria o local onde deveriam ocorrer. Quando julgaram oportuno, puniram alguns por suas práticas, através de critérios definidos, como os textos legais produzidos (Códigos Penais e Portarias), ou mesmo com critérios subjetivos, não declarados, numa postura autoritária, como a negativa para liberar licenças para reuniões alegando-se “suspeitas” com relação às datas. E algumas instituições sucumbiram às investidas. Outras conseguiram se livrar das pressões ou postergar o cumprimento de exigências legais. Para terminar, e ainda lembrando a última referência apresentada, sobre o Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor, gostaria de entender o porquê da recomendação de se fechar o portão a partir de determinado horário, num certo dia da semana. A entrada da sede desta instituição se dá por um portão que dá acesso a um corredor, mesma entrada para uma residência. No final deste, outro portão, separando a área de uso exclusivo do Centro. Se os dois portões estão fechados, a impressão que se tem, olhando-se de fora é a de que o Centro não está em atividade. Poderia ser para evitar a fiscalização? Será que foi uma estratégia para preservarem-se de visitas policiais? Alguns espíritas buscaram alternativas, recursos, criaram estratégias para lidar com a situação adversa que tinham diante de si. Desejavam manterem-se em atividade e para tanto se esforçaram, conforme será apresentado no próximo capítulo.



[1] DAMÁZIO, Sylvia F.. Da Elite ao Povo, op. cit., pp. 94-95.

[2] COSTA, Flamarion Laba. Demônios e Anjos, op. cit., p. 55.

[3] Decreto n° 847, de 11 de Outubro de 1890. Citado por: GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos mortos, op. cit., pp. 79-80.

[4] GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos mortos, op. cit. pp. 288-294.

[5] “O médium Inácio Bittencourt autuado em flagrante por exercer a mediunidade.” Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 8 de Maio de 1937. Pasta de recortes localizado no Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança.

[6] CENTRO ESPÍRITA AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Ata da Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 19 de Novembro de 1942, p. 3-5.

[7] ARAÚJO, Arthur Silva. Inácio Bittencourt. Disponível em: http://www.espirito.org.br/portal/biografias/inacio-bittencourt.html Último acesso em 30 de Abril de 2010.

[8] De acordo com pesquisa no Google Maps, na internet essa é a localização desta rua. Disponível em: http://maps.google.com.br/ Último acesso em 30 de Abril de 2010.

[9] “Praticar o Espiritismo não é crime. A mediunidade, o código penal e a justiça.” O Globo. Rio de Janeiro, 12 de Agosto de 1943. Pasta de recortes localizado no Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança.

[10] “A mediunidade, o Código e a Justiça – Não é o primeiro flagrante”. Diário de Noticias. Rio de Janeiro, 4 de Julho de 1943. Pasta de recortes localizado no Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança.

[11] GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos mortos, op. cit. pp. 290-294.

[12] FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Leopoldo Cirne. Disponível em: http://www.febnet.org.br/ba/file/Pesquisa/Textos/Leopoldo%20Cirne.pdf Último acesso em 30 de Abril de 2010.

[13] OLIVEIRA, Xavier. Espiritismo e Loucura. Contribuição ao estudo do factor religioso em Psychiatria. Rio de Janeiro: Alba, 1931, p. 211 e 192. Grifos meus. Citado por: ALMEIDA, Angélica Aparecida Silva. Uma Fábrica de Loucos, op. cit., p. 154.   

[14] RIBEIRO, Leonídio. & CAMPOS, Murilo. O Espiritismo no Brasil: contribuição ao seu estudo clínico e médico-legal. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1931, p. 147. Grifos meus. Citado por: ALMEIDA, Angélica Aparecida Silva. Uma Fábrica de Loucos, op. cit., p. 158.   

[15] PIMENTEL, Oscar. Diário da Noite. Rio de Janeiro, 9 de Junho de 1939. Grifos meus. Citado por: ALMEIDA, Angélica Aparecida Silva. Uma Fábrica de Loucos, op. cit., p. 186.

[16] ALMEIDA, Angélica Aparecida Silva. Uma Fábrica de Loucos, op. cit. p. 116.

[17] MARIA, Pe. Julio. Os Segredos do Espiritismo. Petrópolis: Vozes, 1938, p. 23. Citado por: COSTA, Flamarion Laba. Demônios e Anjos, op. cit., p. 97.

[18] ZIONI. Pe. Vicente M. O problema espírita no Brasil. São Paulo: Verba Salutis, 1942, pp. 188-189. Citado por: COSTA, Flamarion Laba. Demônios e Anjos, op. cit., p. 148.

[19] VILAÇA, Fuchs. “O espiritismo e o Sr. Filinto Müller”. O Lampadário. 31 de Maio de 1941, p. 2. Grifos meus. Citado por: SAMPAIO, Dilaine Soares. De Fora do Terreiro. O Discurso Católico e Kardecista sobre a Umbanda. Tese de Mestrado em Ciência da Religião. Juiz de Fora: UFJF, 2007, pp. 57-58.

[20] KALVERKAMP, Frei Desidério & KLOPPENBURG, Frei Boaventura. Ação Pastoral Perante o Espiritismo. Petrópolis: Vozes, 1961, pp. 12-13. Citado por: COSTA, Flamarion Laba. Demônios e Anjos, op. cit., nota 335, pp. 104-105.

[21] NEGRÃO, Lísias Nogueira. Entre a Cruz e a Encruzilhada: Formação do Campo Umbandista em São Paulo. São Paulo: Editora da USP, 1996, p. 70.

[22] CÂMARA DOS DEPUTADOS. Decreto nº 24.531, de 2 de Julho de 1934. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-24531-2-julho-1934-498209-publicacao-1-pe.html Último acesso em 30 de Abril de 2010.

[23] NASCIMENTO, Andrea. “Salve Pai Pedra Preta: uma contribuição singela à trajetória do Babalorixá Joãozinho da Goméa”. Revista Virtual de Humanidades, n° 11, v. 5, Julho/Setembro 2004, p.9.

[24] NASCIMENTO, Andrea. Salve Pai Pedra Preta, op. cit. pp.13-14.

[25] PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de Julho de 1934. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao34.htm Último acesso em: 30 de Abril de 2010.

[26] NEGRÃO, Lísias Nogueira. Entre a Cruz e a Encruzilhada, op. cit., p. 73.

[27] Idem.

[28] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR Ata da Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 17 de Setembro de 1936, p. 7 v.

[29] OLIVER, Lippmann Tesch de. “Preâmbulo”, escrito no Rio de Janeiro em 28 de Dezembro de 1946. In: AMORIN, Deolindo. Africanismo e Espiritismo. Rio de Janeiro: Ed. Leon Denis, 2005, pp. 12-15. Citado por: SAMPAIO, Dilaine Soares. De Fora do Terreiro, op. cit., p. 153.

[30] “Vão ser fechadas as sociedades espíritas”. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 30 de Outubro de 1937, p. 7.

[31] CPDOC-FGV. Arquivo pessoal Filinto Müller. Serviço de Inquéritos Políticos e Sociais. As forças religiosas no Brasil, do ponto de vista de suas influências políticas e econômicas. Rio de Janeiro, 1938.

[32] CPDOC-FGV. Arquivo pessoal Filinto Müller. Serviço de Inquéritos Políticos e Sociais. As forças religiosas no Brasil, do ponto de vista de suas influências políticas e econômicas. Anexo – relação dos Centros espíritas. Rio de Janeiro, 1938.

[33] CPDOC-FGV. Arquivo pessoal Filinto Müller. Serviço de Inquéritos Políticos e Sociais. As forças religiosas no Brasil, do ponto de vista de suas influências políticas e econômicas. Medicina espírita. Rio de Janeiro, 1938.

[34] Idem. Ibidem.

[35] KARDEC. Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2004, p. 246.

[36] CPDOC-FGV. Arquivo pessoal Filinto Müller. Serviço de Inquéritos Políticos e Sociais. As forças religiosas no Brasil, do ponto de vista de suas influências políticas e econômicas. Introdução. Rio de Janeiro, 1938.

[37] Idem. Ibidem.

[38] As relações da FEB com os aparatos policiais serão discutidas no terceiro capítulo.

[39] “Nosso Perdão”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 6 de Novembro de 1937, p. 1. Citado por: COSTA, Flamarion Laba. Demônios e Anjos, op. cit., p. 138.

[40] “Tudo passou”. Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 4 de Dezembro de 1937. Citado por: COSTA. Flamarion Laba. Demônios e Anjos, op. cit., p. 138.

[41]  O Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor foi fundado em 1° de Setembro de 1934. No primeiro capítulo falo sobre a fundação da Liga Espírita do Brasil.

[42] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Ata da Assembléia Geral Ordinária. Rio de Janeiro, 1° de Agosto de 1939, p. 14 v.

[43] Idem, p. 14.

[44] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Ata da Assembléia Geral Extraordinária. Rio de Janeiro, 26 de Julho de 1940, p. 15 v.

[45] APERJ. Fundo Delegacia Especial de Segurança Política e Social. Relatório da Seção de Segurança Social. Rio de Janeiro, 1943, p. 48.

[46] Idem, p.256.

[47] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Ata da Assembléia Geral Ordinária. Rio de Janeiro, 2 de Agosto de 1943, p. 32.

[48] “Suspenso o funcionamento de todos os Centros espíritas”. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 10 de Abril de 1941, p. 14.

[49] “O funcionamento dos Centros espíritas”. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 17 de Abril de 1941, p.10.

[50] GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos mortos, op. cit. p. 261.

[51] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Ata da Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 23 de Outubro de 1941, pp. 65-65v.

[52] Idem, p. 65 v.

[53] APERJ. Fundo Delegacia Especial de Segurança Política e Social. Ofício da Delegacia Especial de Segurança Política e Social. Dossiê União Discípulos de Jesus. Rio de Janeiro, 1943.

[54] APERJ. Fundo Delegacia Especial de Segurança Política e Social. Boletim n° 292. Dossiê Associação Espírita Francisco de Paula. Rio de Janeiro, 1941.

[55] Idem. 

[56] APERJ. Fundo Delegacia Especial de Segurança Política e Social. Ofício à S/2. Dossiê Federação Espírita Brasileira. Rio de Janeiro, 1943.

[57] APERJ. Fundo Delegacia Especial de Segurança Política e Social. Relatório - Informação n° 818 / S-2. Dossiê Federação Espírita Brasileira. Rio de Janeiro, 1943.

[58] APERJ. Fundo Delegacia Especial de Segurança Política e Social. Memorando ao Setor de Arquivo. Dossiê Centro Espírita Jorge e Jurema. Rio de Janeiro, 1950.

[59] APERJ. Fundo Delegacia Especial de Segurança Política e Social. Ofício do presidente da “Nosso Lar” Fraternidade Espírita Universal ao Diretor da Divisão de Polícia Política e Social. Dossiê Nosso Lar – Fraternidade Espírita Universal. Rio de Janeiro, 1950.

[60] APERJ. Fundo Delegacia Especial de Segurança Política e Social. Memorando ao Setor de Arquivo. Dossiê Nosso Lar – Fraternidade Espírita Universal. Rio de Janeiro, 1950.

[61] GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos mortos, op. cit., p. 219.

[62] GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos mortos, op. cit., nota 74, p. 219.

[63] No próximo capítulo mencionarei alguns desdobramentos do caso Izabel, processada por estar aplicando passes, bem como recomendações da Liga Espírita do Brasil a respeito da prática.

[64] IMBASSAHY, Carlos. A Mediunidade e a Lei. Rio de Janeiro, FEB, 1946, pp. 123 e 215. Citado por: GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos mortos, op. cit., p. 220.

[65] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Portaria da Polícia n° 8363. Rio de Janeiro, 22 de Setembro de 1942, Introdução.

[66] Idem, Item III.

[67] Idem, Item IV.

[68] Idem, Item V.

[69] Idem, Item VI.

[70] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Carta de Agregação do Grupo Espírita Antonio de Pádua à Liga Espírita do Brasil. 31 de Dezembro de 1942. Estatutos do Grupo Espírita Antonio de Pádua. Art. 2 letra c.

[71] No Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor não havia um termo de abertura. A verificação do ano só foi possível por conta de uma referência que fizeram sobre a idade de uma senhora, nascida em 1877. No campo destinado às observações mencionaram que ela tinha, na ocasião, 66 anos.

[72]  CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Portaria da Polícia n° 8363. Rio de Janeiro, 22 de Setembro de 1942, Item VI. Em conversas informais com alguns espíritas que tinham algum conhecimento destas perseguições, muitas vezes mencionavam que “naquela época os espíritas eram fichados junto com as prostitutas.” A repressão à prostituição estava a cargo, também, da 1ª Delegacia Auxiliar, como já foi apresentado.

[73] CENTRO ESPÍRITA AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Livro de Registro de Médiuns. Rio de Janeiro, 1943, p. 2.

[74] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Portaria da Polícia n° 8363. Rio de Janeiro, 22 de Setembro de 1942. O Item V definia: “Para a precisa garantia da normal efetivação de trabalho de experimentação psíquica, na forma do número precedente, serão os associados que constituírem o círculo de experimentação psíquica previamente examinados por médico escolhido pela diretoria, cabendo-lhe responsabilidade, conjuntamente com a diretoria, por qualquer falta, dolosa ou culposa, que se verificar na circunstância.”

[75] CENTRO ESPÍRITA AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Assembléia Geral Ordinária. Rio de Janeiro, 25 de Agosto de 1944, p. 14.

[76] ALMEIDA, Angélica Aparecida Silva. Uma Fábrica de Loucos, op. cit., p 121.

[77] CENTRO ESPÍRITA AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Ata da Reunião Ordinária da Diretoria. Rio de Janeiro, 16 de Março de 1943, pp. 18 v - 19.

[78] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Portaria da Polícia n° 8363. Rio de Janeiro, 22 de Setembro de 1942, Item IX.

[79] Idem. Item XVIII.

[80] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Livro de Registro das Associações Agregadas à Liga Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, 1942, p. 3.

[81] Idem, p. 12 v.

[82] Idem, p. 37.

[83] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Portaria da Polícia n° 8363. Rio de Janeiro, 22 de Setembro de 1942, Itens XII e XVII.

[84] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Ata da Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 15 de Outubro de 1942, p. 83.

[85] Estou pensando em instituições espíritas mais modestas, de pessoas pobres, com pouca inserção social.

[86] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Livro de Registro das Associações Agregadas à Liga Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, 1942, p. 39.

[87]  “O funcionamento dos centros espíritas”. Diário da Noite. Rio de Janeiro, 15 de Outubro de 1943. Pasta de recortes localizado no Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança.

[88] CENTRO ESPÍRITA AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Ofício ao Delegado Especializado de Costumes, Tóxicos e Mistificações. Rio de Janeiro, 1943.

[89] Idem. Ibidem.

[90] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Portaria da Polícia n° 8363. Rio de Janeiro, 22 de Setembro de 1942. Item VIII.

[91] CPDOC-FGV. Arquivo pessoal Filinto Müller. Serviço de Inquéritos Políticos e Sociais. As forças religiosas no Brasil, do ponto de vista de suas influências políticas e econômicas. Depoimento do decano dos espíritas brasileiros. Rio de Janeiro, 1938.

[92] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Carta de Agregação do Novo Centro Espírita Antonio dos Pobres à Liga Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, 1937.

[93] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Carta de Agregação do Grupo Espírita Antonio de Pádua à Liga Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, 1942. CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Carta de agregação do Grupo Espírita Fé, Esperança e Caridade, Santo Agostinho e Theresa de Jesus à Liga Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, 1942.

[94] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Carta de Agregação do Grupo Espírita Antonio de Pádua à Liga Espírita do Brasil. Parecer da Procuradoria da Liga Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, 1942.

[95] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Carta de Agregação do Grupo Espírita Antonio de Pádua à Liga Espírita do Brasil. Carta ao presidente do Grupo Espírita Antonio de Pádua. Rio de Janeiro, 1942.

[96] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Carta de Agregação do Centro Espírita Guia, Luz e Esperança à Liga Espírita do Brasil. Parecer da Procuradoria da Liga Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, 1942.

[97] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Carta de Agregação do Centro Família Espírita (Fé) à Liga Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, 1940.

[98] CENTRO ESPÍRITA AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Ata de Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 19 de Novembro de 1942, p. 6.

[99] CENTRO ESPÍRITA AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Ata de Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 17 de Janeiro de 1943, p. 9.

[100] CENTRO ESPÍRITA AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Ata de Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 9 de Fevereiro de 1942, p. 14.

[101] MOREIRA, Elmo Nélio. Valores do Salário Mínimo desde sua instituição até os dias de hoje. Disponível em: http://www.gazetadeitauna.com.br/valores_do_salario_minimo_desde_.htm Último acesso em 16 de Março de 2010.

[102] CENTRO ESPÍRITA AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Ata de Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 16 de Março de 1943, p. 19.

[103] CENTRO ESPÍRITA AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Ata de Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 22 de Fevereiro de 1945, p. 72.

[104] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Portaria da Polícia n° 8363. Rio de Janeiro, 22 de Setembro de 1942. Item XX.

[105] CENTRO ESPÍRITA AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Ofício da Delegacia de Costumes e Diversões, Sub-Seção de Repressão a Entorpecentes. Rio de Janeiro, 5 de Janeiro de 1963.

[106] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 13 de Março de 1951, p. 14.

[107] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Portaria da Polícia n° 8363. Rio de Janeiro, 22 de Setembro de 1942. Item VIII.

[108] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 10 de Dezembro de 1963, p. 63 v.
[109] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 12 de Abril de 1966, p. 95 v. Grifos meus.

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